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Voo 3840

Nossas primeiras experiências são todas muito peculiares. Algumas frustrantes, outras insípidas, a maioria inesquecíveis. O primeiro dente que cai, o primeiro beijo, a primeira aprovação no vestibular, o primeiro trabalho, o primeiro dinheiro ganho a partir do próprio esforço.

“Dominar o medo é o início da sabedoria.” (Bertrand Russell)

O episódio se passa no aeroporto de Confins, em Belo Horizonte. Estou a caminho de Palmas, capital do Tocantins, com escala em Brasília. O embarque é anunciado nos alto-falantes. Como de hábito, sou um dos últimos a seguir para a ponte que dá acesso à aeronave – procuro distanciamento de filas de qualquer qualidade porque elas me fazem sentir desrespeito no uso do tempo.

Eis que surgem no horizonte, um pouco apressadas, as figuras de mãe e filho. O garoto, contando não mais do que dez anos de idade, apresenta à despachante seu cartão de embarque. Seu e de sua mãe. Seu semblante denota um ar de expectativa, talvez até falta de alegria.

Quando nos aproximamos da porta do avião, ouço o jovem dizer à sua atenta companhia:

– Mãe, tô com medo…

Nesse instante, compreendo o porquê de cada marca de expressão que contorna sua face. Trata-se de seu primeiro voo, uma experiência única, quase um rito de passagem.

As nossas primeiras experiências são todas muito peculiares. Algumas frustrantes, outras insípidas, a maioria inesquecíveis. O primeiro dente que cai, a primeira briga, o primeiro beijo. A primeira aprovação num concurso vestibular, com direito a cara pintada e cabelo podado. O primeiro trabalho remunerado e o primeiro dinheiro ganho a partir do próprio esforço.

Rubem Alves disse em uma de suas crônicas: “O prazer é único, não se repete. A alegria repete-se sempre. Basta lembrar”. De fato, o sorriso ganha meus lábios quando me remeto à memória de momentos especiais que pude viver.

É curioso como desejamos muitas coisas e lutamos para conquistá-las, negligenciando-as logo em seguida. Faço uma analogia com as crianças que passam um ano inteiro insistindo em determinado brinquedo como presente de aniversário, abandonando-o depois de uma hora de diversão. Temos dificuldades para apreciar nossas conquistas…

Também tive, é claro, meu primeiro voo. Recordo-me do quão impressionado fiquei com a arquitetura do aeroporto, com a engenharia da aeronave, com a eficiência do atendimento, com o cenário vislumbrado através da pequena janela. Hoje, pululando de um avião para outro, o que era admirável virou lugar comum. Uma companhia aérea não me vende transporte, segurança ou serviço de bordo. O que eu compro dela é economia de tempo.

A sorte negou-me o privilégio de sentar-me próximo ao jovem viajante para acompanhar sua ansiedade na decolagem ou sua angústia durante o pouso. A última imagem que registrei foi de sua mãe, máquina em punho, fotografando-o na porta da cabine de comando. E seu sorriso contagiante como que declarando ao mundo a transposição de mais um estágio de seu crescimento: agora, ele também pode voar.

Queria eu que todos os sorrisos fossem expressivos como aquele. E que todos os nossos medos pudessem ser como o que ele sentiu ao se aproximar do avião: medo que desafia, mas não paralisa; medo que se enfrenta e se supera.

Tom Coelho Author
Tom Coelho, com formação em Publicidade pela ESPM e Economia pela USP, tem especialização em Marketing e em Qualidade de Vida no Trabalho, além de mestrado em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. Foi executivo, empresário, secretário geral do IQB/ INMETRO, diretor do Simb/Abrinq e VP da AAPSA. Atualmente é professor em cursos de pós-graduação, conferencista, escritor com artigos publicados em 17 países, diretor da Lyrix Desenvolvimento Humano, da Editora Flor de Liz e do NJE/CIESP, além de Conselheiro do Consocial/FIESP. autor dos livros “Somos Maus Amantes – Reflexões sobre carreira, liderança e comportamento”, “Sete Vidas – Lições para construir seu equilíbrio pessoal e profissional” e coautor de outras cinco obras.
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