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Reconstruir não é Reformar: O que vale ser mantido e o que não vale?

É muito mais fácil desfazer do que reformar ou reconstruir para manter. Em tempos atuais e virtuais, onde quase tudo é dinâmico e descartável, o que vale ser mantido e o que não vale? Por onde deixamos a identidade das relações que vivemos?

Reconstruir não é Reformar: A vida se tornou descartável? O que vale ser mantido e o que não vale?

Reconstruir não é Reformar: O que vale ser mantido e o que não vale?

“Afinal, viver num mundo líquido-moderno conhecido por admitir apenas uma certeza – a de que amanhã não pode ser, não deve ser, não será como hoje – significa um ensaio diário de desaparecimento, sumiço, extinção e morte. E assim, indiretamente, um ensaio da não-finalidade da morte, de ressurreições recorrentes e reencarnações perpétuas.” (Zygmunt Bauman) 

No dicionário, REFORMAR enseja corrigir, organizar uma nova forma. E RECONSTRUIR significa reedificar, renovar, voltar a possuir a constituição original. Em ambos se parte de um modelo já existente. Seja uma roupa, seja uma casa, um negócio, um brinquedo ou um relacionamento.

Em ligações de distintas naturezas (amorosa, familiar, profissional, de consumo, aprendizado ou de amizade) o alicerce exige solidez para suportar as intempéries do tempo, também chamadas por VIDA. E em tempos de relações líquidas que facilmente escorrem pelas nossas mãos, é importante estar atento à importância desse detalhe.

Para Félix Guattari¹, Reconstruir, reformar, remodelar, todas essas expressões não são convenientes. Os indivíduos e as coletividades humanas estão tão engajadas em uma trajetória que leva ao desastre, à perda de toda a capacidade de se enquadrar em territórios existenciais, que é nesse movimento de fuga para frente, de retomada de si próprio, de processo, no qual se pode encontrar algo que não é uma identidade, nem uma adequação a modelos universais, mas simplesmente o fato de que, seguindo a corrente, seguindo os movimentos, na queda mesmo, podemos nos reencontrar.

¹ Félix Guattari foi um filósofo, psicanalista, psiquiatra, semiólogo, roteirista e ativista revolucionário francês. Foi um dos fundadores dos campos da esquizoanálise e ecosofia.

Constrói-se uma temporalidade possível, constroem-se objetos, inventa-se um mundo, exatamente como um artista cria, ele produz um mundo que lhe é específico. Portanto, acredito que cada vez que nos penduramos nos modelos universais – por exemplo, universais da psicologia ou universais da linguística -, cada vez que se fixa uma identidade como objetivo, perde-se algo de essencial que é o devir².

² Devir é um conceito filosófico que indica as mudanças pelas quais passam as coisas.

Com o risco que o devir desmorone, com o risco que não se pode jamais esconder. Estamos muito próximos do limite do desmantelamento desta subjetividade. Então podemos nos dizer: “Não! Eu tenho vários tipos de proteção, de garantias do eu, etc.” Seria preciso falar da crítica às teorias do Eu: a multiplicidade do Eu não se apresenta para nada como sistema de defesa com relação aos conflitos.

Bem, estamos sempre próximos, estamos sempre no limite de quebrar a cara, e é nessa virada, nessa pirueta, nesse esforço supremo, que hoje o indivíduo, como a humanidade, pode se refazer.

O filósofo Zygmunt Bauman classifica como “amor líquido” o desejo das pessoas em vivenciar o afeto sem o compromisso de fluidez dos laços – todos os tipos de relacionamentos e laços – o que nos leva a observar que atualmente vive-se o tempo dos “descartáveis”.

Quando não servem mais ou produzem algum tipo de desconforto, rapidamente são deixados de lado para que apareçam novas relações, talvez mais prazerosas e desprovidas de problemas. Uma utopia, sabemos bem, como se pudéssemos impor aos relacionamentos a mesma versatilidade de troca dos veículos por modelos mais modernos, ou máquinas de lavar roupas, dias após a compra.

O prazo de validade não aplica mais para nenhuma das atividades humanas – crença, fé, valores, objetivos, sonhos – os modelos a serem seguidos são ditados por uma imensa quantidade de dados analisados todos os dias – que definem quais são as prioridades dos próximos dias, tendências de comportamento – então estas informações são repassadas para gestores de redes, veículos de comunicação, grupos políticos com alertas no sentido da sua possível reeleição ou não, entre outros. A partir deste momento serão construídas novas crenças, bases de fé, valores, etc…

Em tempos atuais e virtuais, onde quase tudo é dinâmico e descartável, num momento você pensa ter 80 amigos, mas na hora em que o coração aperta restam apenas 10. Os demais 70 possivelmente não gostaram da sua opinião – ou consideram que você não está atualizada o suficiente para o momento “Hoje” informado, e imediatamente absorvido pelas comunidades. Estão sem paciência para o desenquadramento alheio e em algum momento o bloquearão nas redes sociais (redes = vida).

É muito mais fácil desfazer do que reformar ou reconstruir para manter – Temos aqui dois pontos: saber o que vale ser mantido e o que não vale. Por onde deixamos a identidade das relações que vivemos? A reforma precisa, obrigatoriamente, considerar o que já se sabe, para então mover, atualizar, de forma a preservar a essência – pode ser bem mais difícil que a construção moderna e adaptada.

A construção potencializa entre os tijolos espaço para sonhos, risadas e alegrias, na reconstrução – já sabe que tudo vai mudar – então deixa-se espaço para corrigir e/ou adaptar o Hoje, quando ele já for amanhã. Aqui olha-se para a base e, fincam-se valores, fé, amor – então será possível avaliar o que será mantido no tempo, e o cuidado que empregaremos a cada parte.

Vejamos a história de Neemias³, que servia como copeiro do rei, em Susã – na Pérsia, no “ano vigésimo” do reinado do rei Artaxerxes da Pérsia, que governou de 465 a.C. a 424 a.C.

³ Neemias é uma personagem bíblica, figura importante na história pós-exílio dos judeus, tal como registrada na Bíblia, e que, acredita-se, teria sido o autor primordial do Livro de Neemias

Ele vivia preocupado com as ameaças ao rei, posto que também exercia os cargos de primeiro-ministro e mestre de cerimônias. Era um homem de inteira confiança do monarca e vivia num lugar de fartura, luxo e riqueza.

Mas, um dia, Neemias ouviu que Jerusalém tivera seus muros derrubados e suas portas queimadas. Então se dispôs a mudar a situação. No seu coração nascera o sonho de restaurar sua cidade e trazer de volta a alegria para Jerusalém. Queria reconstruir os muros que foram derrubados e deixar a cidade protegida.

Neemias não se intimidou com a aparente destruição de Jerusalém, porque tinha a visão da cidade reconstruída – É preciso também amar aquilo que foi destruído, para que tenhamos força para lutar para sua reconstrução, seja um casamento, um relacionamento quebrado, uma amizade que se partiu, uma profissão que decepcionou, uma escolha que fracassa.

Nossa confiança vai nos ajudar a preservar a objetividade e vencer os nossos temores, além de dar-nos força para reconstruir tudo que, porventura, foi destruído em nossa vida. A confiança de Neemias o capacitou a reconstruir os muros da sua cidade amada em menos de dois meses e, assim, mudar a história de toda uma nação.

Antes de “Jogar Fora” e/ou partir para uma “Nova Aquisição”, avalie o que tem preço e o que tem valor na vida. Aqueles momentos e que o riso fácil entre pessoas que te oferecem a segurança e o amor poderão ser substituídos? Ou ainda, tudo que já se aprendeu na vida, em todas as situações e oportunidades oferecidas, que te amadureceram e te fizeram mais forte precisam ser negadas, descartadas e obscurecidas a favor de algo “Na Moda”?

Com certeza o seu celular já está ultrapassado, possivelmente a geração de eletrodomésticos da sua casa já foi superada – no entanto, entenda qual o objetivo de cada peça – sim, elas tem valor – para que servem e como você as usa e para quê – antes de descarta-las – para um novo consumo. O planeta agradece, a vida agradece se você reduzir o descarte “da Moda”.

Deixemos de ser simples servos ou escravos da tecnologia e das redes sociais. Nenhuma pessoa precisa de todo mundo para ser feliz. A felicidade está em como vivemos e na intensidade do que vivemos.

Existem “coisas” que não merecem reforma – mas avalie antes do descarte e quando descartar, pense nas consequências e procure fazer isto da melhor forma possível – o melhor para as pessoas e o planeta.

“O importante não é o que fazemos de nós, mas o que nós fazemos daquilo que fazem de nós.” JEAN PAUL SARTRE (1905-1980)

Ao construir pense na perenidade – em como será quando tudo mudar – o que vai permanecer?

Gostou do artigo? Quer conversar mais sobre reconstruir num mundo tão virtual quanto o que vivemos? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar sobre o tema.

Sandra Moraes
https://www.linkedin.com/in/sandra-balbino-moraes

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Sandra Moraes é Jornalista, Publicitária, Relações Públicas, frequentou por mais de 8 anos classes de estudos em Filosofia e Sociologia na USP.É professora no MBA da FIA – USP. Atuou como Executiva no mercado financeiro (Visa International (EUA); Banco Icatu; Fininvest; Unibanco; Itaú e Banco Francês e Brasileiro), por mais de 25 anos. Líder inovadora desenvolveu grandes projetos para o Varejo de moda no país (lojas Marisa – Credi 21), ampliando a sua larga experiência com equipes multidisciplinares, multiculturais, altamente competitivos, inovadores e de alta volatilidade.
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