
Opressão, Liberdade e Cultura: O Paradoxo de Paulo Freire nas Organizações
Olá!
Você provavelmente já ouviu a frase: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.” Ela é frequentemente atribuída a Paulo Freire — e, embora não seja uma citação literal, representa com precisão o núcleo de seu pensamento. A crítica não é à autoridade em si, mas à reprodução cega da lógica de dominação. E esse é o paradoxo que venho observando com frequência em organizações — especialmente naquelas que, em nome da cultura, acabam promovendo a conformidade disfarçada de alinhamento.
Veja bem: a cultura de uma empresa é formada a partir da repetição espontânea (e premiada) de comportamentos aceitos. O que é valorizado, replicado e tolerado acaba se tornando regra — não importa o que esteja escrito na parede da recepção. Para manter a identidade, as empresas precisam sim doutrinar seus colaboradores: instruí-los sobre os valores, modos de agir, de vestir, de se comunicar e até de pensar. Isso, em si, não é errado.
Toda organização precisa de coerência. O problema começa quando isso vira cerco em vez de senso.
Muitas das pessoas que atendo em mentoria relatam esse incômodo: “Quero me expressar mais”, “quero propor coisas novas”, “gostaria de ser ouvido”. Mas sentem que há uma caixa invisível que molda, filtra e limita. E é aqui que surge o movimento clássico: o colaborador não se encaixa, pede demissão e decide empreender. Quer criar algo mais autêntico, mais humano, mais fluido.
A intenção é boa. Mas, como diria minha avó: de boas intenções o mercado está cheio.
Porque, veja, à medida que essas novas empresas crescem, escalam, contratam… elas passam a repetir os mesmos mecanismos de doutrinação que as fizeram nascer. Criam manuais, implementam ritos, definem dress code, institucionalizam a “cultura da casa” — e tudo aquilo que antes era opressão, vira “padrão de qualidade”. A linguagem muda, mas a lógica permanece. O oprimido virou gestor. O sonho de liberdade virou regulamento.
E não pense que isso acontece só com grandes empresários. Já vi muitos jovens, criativos, inovadores e cheios de ideias disruptivas, endurecerem na primeira reunião com investidor. Na primeira demissão necessária. No primeiro erro caro da equipe. Aí, aquele discurso sobre “liberdade para criar” dá lugar a um manual de comportamento. Um dos paradoxos mais dolorosos que vejo é esse:
Pessoas que prezam pela liberdade de pensamento acabam criando culturas que não toleram pensamento diferente.
Será que Paulo Freire estava certo e estamos presos num ciclo sem fim?
Talvez sim. Talvez não. Mas há um caminho: a inteligência comportamental. Essa habilidade começa com um passo simples (mas nada fácil): entender o ambiente em que se está inserido. Toda empresa tem regras. Algumas explícitas, outras nem tanto. Cabe a nós identificá-las, compreender os limites e as brechas, e então fazer escolhas conscientes. Comportamento não é um reflexo automático; é uma decisão estratégica.
Agir com inteligência comportamental não significa se submeter. Significa atuar com clareza e intenção. Significa saber quando se adaptar, quando confrontar, quando propor, e quando simplesmente observar. Não é perder identidade — é saber expressá-la de forma eficaz dentro de cada contexto.
Em muitas empresas que dizem valorizar o pensamento crítico, há restrições veladas: políticas de exposição, aversão a riscos, controles orçamentários que limitam qualquer inovação. A mensagem subliminar é clara: “pense fora da sua caixa, mas fique dentro da minha”. E quando isso acontece, não adianta jogar o jogo achando que é um tabuleiro livre. É preciso ler as regras reais, não apenas o manual de boas-vindas.
Outro ponto que merece atenção: o distanciamento entre os colaboradores e o propósito da empresa. Em muitas organizações, o cliente parece ser “da empresa”, não meu. Essa desconexão se manifesta no vendedor mal-humorado, no SAC apático, no mecânico que não sugere alternativas. E também no professor que se importa mais com os critérios de aprovação do que com o aprendizado real do aluno. Quando o propósito não é compartilhado, o comportamento vira protocolo — e o engajamento, obrigação.
Sim, a cultura precisa de diretrizes.
Mas também precisa de espaço para respiração, para questionamento, para escuta. Não existe cultura forte sem conflito saudável. Não existe cultura viva sem pessoas que pensam — e falam — com liberdade.
Por fim, lembre-se: no final do dia, somos o que pensamos e valemos o que fazemos. A cultura organizacional é feita de gente. De mim, de você, de cada comportamento reforçado (ou ignorado) todos os dias. E se quisermos ambientes mais humanos, críticos e criativos, precisamos começar por nós mesmos. Não como oprimidos sonhando com poder, mas como indivíduos conscientes, dispostos a mudar a lógica — não apenas o lugar na hierarquia.
Pense nisso!
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Quer entender melhor como podemos construir culturas organizacionais coerentes sem sufocar a liberdade e o pensamento crítico das pessoas? Então, entre em contato comigo! Será um prazer conversar sobre isso.
Até a próxima!
Edson Carli
https://inteligenciacomportamental.com
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