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O ecossistema está fora da universidade

Estudo realizado pelo Sebrae e Endeavor indica que 60% dos alunos de graduação – ou quatro milhões de pessoas – querem ter um negócio próprio. Um caminho natural seria que obtivessem apoio do centro de carreiras ou de empregabilidade de suas instituições, mas...

9ª avenida, West Side de Manhattan, Nova York. Numa tarde típica de verão, um colega e eu almoçávamos em um dos meus restaurantes favoritos. À espera do pedido, a conversa girava em torno de assuntos ligados ao ensino superior. Na época, ambos éramos estudantes nos EUA. Ele cursando MBA em uma tradicional escola de negócios e eu concluindo o Mestrado em Educação e Ensino de Negócios na New York University.

Antes do prato principal chegar, surgiu a pergunta: como as pessoas aprendem marketing? Ela veio de bate-pronto, do meu colega, na época cursando essa disciplina no MBA. Ele continuou: ao final do curso, como posso garantir que aprendi marketing? A duração da disciplina é de apenas quatro meses dentro de um programa de dois anos! Suas perguntas faziam muito sentido. A preocupação era como tirar máximo proveito do curso, financiado por ele mesmo, em dólar.

Após saborearmos o melhor Phad Thai da cidade, continuamos a conversa sobre como adultos aprendem, seja em ambientes formais (Ensino Superior), seja no dia a dia. Aproveitei a oportunidade para apresentar as descobertas da pesquisa que fazia sobre aprendizagem de empreendedores. A conclusão que chegamos é a seguinte: mais impressionante que meu colega aprender marketing em quatro meses – nos EUA, em um MBA – é o que ocorre com quem persegue a carreira de empreendedor(a).

Milhões de empresas são formalizadas todos os anos

No Brasil, dois milhões de empresas são formalizadas todos os anos. Em um sistema educacional que prioriza processos seletivos para empregos tradicionais e concursos, o número impressiona. Mesmo que todos os 800 mil alunos de administração abrissem um negócio, a conta não fecha. Ou seja, empresas são abertas e geridas por pessoas que não passaram pela educação formal em criação ou gestão de negócios. Pessoas como minha irmã, fisioterapeuta, ou minha esposa, formada em turismo e que atualmente empreende na área de pesquisa de mercado.

O mesmo é verdade para engenheiros, advogados, médicos, educadores, contadores e demais profissionais que não tiveram a oportunidade de ingressar ou concluir uma faculdade. Não há, dentro ou fora das instituições de ensino, cultura que promova o desenvolvimento vocacional estruturado de empreendedores.

Quatro milhões de alunos querem ter o próprio negócio

Estudo realizado pelo Sebrae e Endeavor indica que 60% dos alunos de graduação – ou quatro milhões de pessoas – querem ter um negócio próprio. Um caminho natural seria que obtivessem apoio do centro de carreiras ou de empregabilidade de suas instituições. No entanto, mesmo que a escola possua um, é provável que as práticas mais comuns sejam a publicação de vagas de emprego e a feira de carreiras. Ou seja, empreendedorismo como opção de carreira é deixado de lado até pela área que, com relativamente pouco esforço, mais poderia influenciar alunos.

Por ser um campo acadêmico jovem, o empreendedorismo ainda está sendo absorvido pelas instituições e seus profissionais. Alguns ainda veem como a disciplina que briga por espaço na já apertada grade curricular. Nesse caso, o papel da sua promoção fica a cargo dos poucos educadores mais antenados às demandas do mercado. Esses, por sua vez, se esforçam para inserir o assunto na agenda da instituição, seja por meio de cursos, palestras ou da forma que conseguirem.

Nas escolas onde o assunto já faz parte do vocabulário, duas abordagens concorrem entre si. Uma delas é a da comodidade. Ao disponibilizar uma disciplina sobre o assunto, algumas instituições assumem que estão praticando o que há de mais avançado no mercado. Outra abordagem é a do quanto mais, melhor. Nesse caso, mais raro, a instituição oferece disciplinas derivadas, como empreendedorismo social, tecnológico, intra empreendedorismo, gestão da pequena e média empresa, criação de produtos e serviços, entre outras.

Ainda mais incomuns são instituições que ultrapassam os limites da faculdade de administração e oferecem a estudantes de outras áreas acesso a essas disciplinas. No caso da PUC-Rio, milhares de alunos de diferentes formações participam de cursos transversais organizados pelo Núcleo de Pesquisa e Ensino em Empreendedorismo.

Em São Paulo, mais familiarizado com as iniciativas do Insper – onde atuo há 10 anos –, posso afirmar que a instituição desenvolveu um zeitgeist (clima e cultura) que sustenta e promove o tema. Um exemplo disso é a faculdade de engenharia que a escola intraempreendeu recentemente. Alunos de administração, economia e engenharia já desenvolvem algumas atividades em conjunto.

Na região Sul do Brasil, a Universidade do Sul de Santa Catarina inova ao desenvolver um programa de pós graduação em empreendedorismo e novos negócios. Nele, capacitará ex-alunos e empresários da região para atuarem como mentores na escola. 

Hoje, o ecossistema está fora da instituição

Ao retornar dos EUA, em 2015, iniciei um trabalho ligado à formação de professores de empreendedorismo e negócios. Após participar do desenvolvimento de centenas de educadores de todas as regiões do Brasil, concluo que a situação é melhor do que parece.

Justamente por ser um campo acadêmico novo, as universidades ainda não tiveram tempo suficiente para se apropriar do tema. Dessa forma, um ecossistema inteiro foi criado, a despeito do que ocorre nas instituições de ensino superior. Atividades que não existiam passaram a ganhar relevância, como competições de negócios, programas de aceleração, cursos livres presenciais e online. Encontros temáticos e missões a empresas e regiões são outros exemplos do que ocorre no mercado, assim como programas de mentoria e publicações sobre criação de produtos, vendas e desenvolvimento web.

Do mesmo modo como alunos de graduação recém formados não são contratados como diretores de empresa, não se espera que criem negócios multimilionários logo após a formatura. No entanto, mesmo frequentando um curso por anos, eles acabam não conhecendo os caminhos que precisam seguir caso queiram se preparar para isso. Em relação aos alunos de pós-graduação, são eles que têm maiores chances de constituírem empresas estruturadas. Afinal, já conhecem a dinâmica de um ou mais mercados, são mais experientes e conectados.

Um dos caminhos para promover empreendedorismo como opção de carreira é intraempreender na sua própria instituição. Segmente os perfis de alunos que você planeja desenvolver, envolva as diferentes coordenações e desenhe um plano. Isso pode ser feito respondendo a duas perguntas: o que nossa instituição está fazendo para apoiar o empreendedorismo como opção de carreira? Como podemos fazer mais?

Thiago de Carvalho é Mestre em Educação e Ensino de Negócios pela New York University, professor do Insper e da Fundação Getúlio Vargas, Associado Acadêmico no Brasil da Higher Education Academy – agência oficial de capacitação e certificação de docentes do Reino Unido e Country Manager da Clinton Education, onde é pesquisador-líder da metodologia QEMP. Possui experiência nas multinacionais Directv, Telefónica e Santander, onde dirigiu e treinou diretamente equipes de 2 a 350 pessoas. Somada à experiência executiva, empreendeu no ramo varejista de moda, e-commerce e EdTech. Entre reconhecimentos do mercado, foi eleito pela Universität St. Gallen, Suíça, como um dos 100 agentes de mudança empreendedora no mundo. No Insper, foi reconhecido como alumnus destaque. Como mentor, recebeu o prêmio de melhor Plano de Negócios Escrito na edição latino-americana da competição promovida pela University of Texas at Austin. Em Nova Iorque, seu projeto no Startup Weekend Education ganhou o primeiro lugar na divisão impacto social.
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