
O Corpo Feminino e a Jornada de Ser Inteira: Da História ao Prazer
“Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim cada lago a lua toda brilha,
Porque alta vive”
(Fernando Pessoa)
Quão difícil é a escolha de ser você mesmo. Sem pestanejar, sem fraquejar, sem receios, sem egos, sem falsa modéstia ou excesso de vaidades.
Fraquejar não é bom, pois pode-se encobrir suas qualidades. Exagerar muito menos, pois pode revelar sua farsa. E então o que fazer?
Ser ou não ser, eis a questão, diria Shakespeare.
Na verdade, ser é rico, verdadeiro e único. Exaltar-se ou anular-se é a real questão.
Desde pequenos inseridos em uma sociedade de aparências, seres humanos são treinados como robôs a corresponderem às expectativas alheias, sejam de pais, familiares, professores, amigos ou então de estranhos. O receio de não ser bom o suficiente e não merecer o amor de pais e amigos é inerente à infância de uma sociedade adoecida e deturpada em valores.
Afinal, viemos aqui para evoluirmos ou nos encarcerarmos? Somos autores ou vítimas do nosso destino, das nossas histórias, do nosso final? Devemos aguardar sentados ou fazermos então algo à respeito das mudanças?
Em se tratando de universo feminino, precisamos de mudanças imediatas. Drásticas. Marcantes. Únicas. Para que sejamos ouvidas e entendidas.
Quantas vezes recebo no meu consultório queixas de pacientes insatisfeitas com seus parceiros. E esse número tem aumentado… Não se toleram mais comportamentos agressivos. Atitudes que levam à prisão são, por vezes, acionadas. E ameaças denunciadas. Abusos de todas as formas antes naturalizados, hoje reconhecidos e combatidos.
É preciso falar, expor, gritar, denunciar, impor. Abrir espaços para discussão, para verdades, para dar visibilidade às crueldades, ao machismo e ao preconceito. Não é incomum ouvirmos que a vítima de violência se culpabiliza por ela mesma ou pela sociedade.
O corpo feminino faz parte de duzentos milhões de anos da história da humanidade e não é apenas a extensão vinda da costela do homem. A história é riquíssima de mulheres incríveis que a construíram em feitos grandiosos (muitas vezes abolidos dos livros e das narrativas induzidas por homens) ou em lares, lavouras e fábricas.
A primeira imagem que se tem conhecimento da representação do corpo feminino vem do período Paleolítico e se chama Vênus de Willendorf. Uma escultura de seios fartos e abdômen protuso, o que sugere abundância e fertilidade. A partir daí o corpo feminino passou a ser de domínio público para contemplação ou inquisição.
Aliás, nesta época épica (não resisti ao trocadilho) mulheres foram perseguidas, mortas e queimadas durantes pelo menos dois séculos após a assinatura de um documento por um papa que assim determinou: que mulheres fossem exterminadas.
Aquelas que sabiam sobre cura através de ervas, que entendiam de leis, que conheciam seus corpos e sabiam o que fazer com eles para seus deleites e prazeres e também de quem elas quisessem. Dominaram reinos e reis. Chamadas de bruxas e banidas deste mundo. Corpos em chamas em praça pública para amedrontarem as demais. Houve, depois, uma época em que mulheres que manifestavam suas opiniões eram colocadas em espécies de coleiras e acompanhadas por guardas — tudo para servirem de exemplo àquelas que ousassem falar demais.
Antes havia um matriarcado que deu lugar ao patriarcado junto com a industrialização e a imposição da mulher e do casamento ideais. Mulheres dóceis e caladas, domesticadas, quase assexuais, cuja função era cuidar de filhos e marido. Obedecer e aceitar. Mantinham assim a ordem e os bons costumes.
A partir daí e da imposição à mulher o sonho do casamento com o príncipe encantado tornou-se então a nova premissa de felicidade, tanto na vida real quanto nos contos de fadas.
Peguemos como exemplo a Cinderela, que estava se divertindo no baile, e no último minuto sai correndo e deixa um sapato de cristal de lembrança. No dia seguinte enquanto limpava e lavava a casa, o príncipe experimentava do todo o reino, testava todas as mulheres que eram capazes de cortar os pés para que coubessem no tal sapato especial e finalmente se casassem com o príncipe ideal.
Qualquer semelhança com nossos dias não é mera coincidência.
Mulheres e seus ideais surreais de beleza de corpos perfeitos, hoje com o reforço da mídia, faz com que centenas de milhares de plásticas sejam feitas em busca de curas externas para o que está quebrado internamente. Corpos retalhados, rostos modificados, mulheres infelizes, com expectativas de transformações impossíveis. Dietas mirabolantes. Medicações arriscadas. Hormônios em excesso, implantes, injetáveis, anabolizantes…. Uso e abuso de drogas lícitas e procedimentos em busca de um sonho imposto.
O Brasil é o país com o maior número de cirurgias íntimas no mundo. Mulheres insatisfeitas com suas genitálias, comparadas muitas vezes às dos filmes pornográficos, quase infantilizadas, com vulvas lisas, pequenas, rosadas. É claro que modificar algo que não está bem, rejuvenescer, tonificar, traz melhora da autoestima e inclusive da libido. Porém, somos mulheres miscigenadas, em um país de origem negra e escrava misturada com brancos colonizadores, no qual há corpos e anatomias de todas as formas, tamanhos e cores.
O corpo feminino não deve ser comparado.
E sim, admirado, respeitado e desvendado, primeiro pelas próprias mulheres. Em seu prazer próprio. Quando as estatísticas mostram que 3 em cada 10 mulheres têm falta de desejo e/ou orgasmo, sabe-se que os principais motivos são: a não aceitação e/ou o desconhecimento do próprio corpo.
Mulheres que se comparam e se sentem infelizes em seus corpos, com uma autocobrança rígida e injusta, não se sentindo capazes de serem atraentes e se tolhendo de prazeres durante a relação sexual. E aquelas que não se tocam, não se conhecem e esperam do outro um prazer que nem sabem exatamente o que querem. O outro sabe menos ainda.
Quantas mulheres recebo no meu consultório que não conhecem o clitóris, muito menos seus parceiros. Mantém uma relação pobre de estímulos, falocêntrica, na qual o início e o fim são, de fato, marcados pelo prazer masculino. Mulheres que não sentem prazer, não sabem, não entendem e não veem o que estão perdendo. Mais uma vez, facilmente domesticadas e ainda criticadas e julgadas.
Ah se as mulheres soubessem, o que seus corpos são capazes… teriam medo de si próprias e de seus poderes ilimitados.
“Há um princípio bom que criou a ordem, a luz, o homem; e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher.” (Pitágoras)
“O escravo é inteiramente desprovido da liberdade de deliberar; a mulher a possui, mas fraca e ineficiente.” (Aristóteles)
Conceitos antigos e não tão absurdos e reais até hoje.
Felizmente nas faculdades de medicina e na ciência as mulheres já representam a maioria, sendo então possível surgirem mais estudos e pesquisas sobre o universo a anatomia e a fisiologia feminina, negligenciados até então. São filósofas e sociólogas. Cirurgiãs. Pesquisadoras. Diretoras. Mães. Que passaram a ser lidas e ouvidas.
Um pouco de história e inteligência para variar da unilateralidade e prepotência existentes até então.
A humanidade agradece e a história se ressignifica para a verdade.
Gostou do artigo?
Quer saber mais sobre como o corpo feminino pode ser um caminho de libertação e prazer verdadeiro? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar a respeito.
Prazer, Clarissa!
Clarissa Marini
Ginecologista, Sexóloga & Escritora
CRM 11468-GO
https://www.instagram.com/clamarini/
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