
Prazo de Validade — Será que Temos Mesmo?
Reflexões sobre envelhecimento, menopausa e o valor da experiência feminina
Pensando em valores humanos, me pego a analisar o nosso prazo de validade.
Pela medicina, passando pelas classificações fisiológicas, nascemos, crescemos, reproduzimos, envelhecemos e morremos. No caso das mulheres há algumas nuances agora bem faladas e discutidas nas redes sociais e mídias em geral: Menopausa. A palavra da vez. O nome da moda. O tema mais discutido em entrevistas, podcasts, posts, stands, vídeos e programações. Muito fala-se. Muito sabe-se. Pouco se vive… na pele, na essência, na verdade.
Mulheres se comparam com outras mulheres. E homens comentam em suas rodas de amigos também em tom de comparação, ou mesmo chacota, mas todos sob a mesma ótica: a juventude.
Fisiologicamente, nossas células começam a envelhecer desde o momento que nascemos. Nossa genética perfeitamente programada para o nosso prazo de validade. Que pode ser até estendido a depender dos cuidados, mas não há como ser infinito.
Pensar em juventude é pensar em vida, em chama acesa, em energia, curiosidade, irreverência e alegria em seguir. E quem disse que estas sensações estão associadas à idade? Nossos corpos caminham por uma longa estrada de uso e desuso e às vezes, abuso. Mas nossas mentes podem permanecer intactas, ou ainda aprimorar-se. Junte a isso os benefícios da sabedoria do amadurecimento. Do novo olhar. Do entendimento de sermos eternos aprendizes.
Algumas necessidades deixam de ser urgentes e outras tornam-se novas. O olhar deixa de estar no outro para estar para si, para dentro, para o seu ‘infinito particular’. Para a sua infinidade de descobertas e de novos prazeres. Para perceber que querer sempre menos, deixa tudo mais simples e nos faz mais felizes.
Situações cotidianas, como um café com uma pessoa querida, um barulhinho bom de chuva, um livro novo ou aquele que adorou ler na sua estante, um passeio no parque, os desenhos nas nuvens, a brisa leve e fresca do nascer do sol e o calor alaranjado do pôr do sol.
Pequenos sorrisos cotidianos que trazem grandes alegrias. A chance de ver poesia no que não se via. Um bom gole de água gelada num dia muito quente. Um mergulho no mar para reenergizar. Tantas possibilidades de felicidades. Um beijo gostoso em quem se ama. Um abraço quentinho vendo filme. Uma ligação repentina de uma amiga. O sorriso inocente de uma criança e o olhar sábio de quem é mais velho que a gente.
O passado é história. O futuro surpresa. E o presente é uma dadiva.
No universo masculino me parece que estes conceitos estão bem estabelecidos. Mas no feminino… ah aí é outra conversa. Aliás é muita conversa, debate, entrevista, combate, conquista.
Ouvir de uma paciente no consultório que está no Climatério ou Menopausa e se sente infeliz, me deixa angustiada. Porque o motivo muitas vezes é essa sensação de envelhecimento. Imposta pela sociedade e reforçada entre as mulheres.
É claro que mudanças ocorrem, como irritabilidade, fadiga, ansiedade e depressão, fogachos, insônia, unhas e cabelos quebradiços, névoa mental, perda da libido… para citar os mais comuns, mas há ainda formigamento na pele, secura de mucosas incluído olhos e ouvidos, ganho de peso, mudança na digestão, tonturas, zumbido no ouvido…. A frase que mais ouço é:
– Eu não estou me reconhecendo.
Mulheres tentando entender suas oscilações hormonais e físicas e comportamentais, criticadas e comparadas pela sociedade, por outras mulheres e até por seus maridos.
– Você me diz que está na menopausa então está igual à uma árvore seca, disse um uma vez para minha paciente.
Chocante realidade e infeliz comparação. Impacta, mas persiste. Dói, mas permanece, pois, encontra lugar e espaço de fala e tem permissão das próprias mulheres.
Essa visão pessimista do passar da idade das mulheres é irritante para dizer o mínimo, mas é também castradora. Esta mulher que envelhece e muda sua autopercepção para menos atraente me faz questionar. Esta baixa libido que tanto se queixam é causada apenas pela queda hormonal desta fase ou por esta falsa sensação que muitas têm de que não são mais atraentes?
É claro que quando se fala em desejo e libido, existem múltiplos fatores que incluem a relação do casal, fatores emocional, psicológicos, financeiros, familiares, sociais e o próprio cansaço desta rotina atual intensa, freneticamente moldada para a produtividade e cheia de desafios mentais e interrelacionais.
Mas, esta cobrança por um ideal surreal de beleza que se intensifica com o passar do tempo para as mulheres, enquanto homens sorriem com suas barrigas salientes em mesas de bares falando de suas conquistas, entre suas rugas e carros importados, é injusta em vários níveis.
Se uma mulher entra na menopausa, e faz procedimentos, é criticada por um suposto excesso. Se não os faz, é considerada desleixada ou descuidada. E assim segue uma carga de cobranças extremas em todos os aspectos unilateral e em uníssono.
E se essa mulher se permite ser quem é, entende do seu corpo, dos seus desejos e da sua sensualidade, é claro que será criticada, exorcizada, demonizada e excluída. Desde sempre e ainda é assim.
Desde os primórdios mulheres poderosas convivem com estereótipos ligados à sensualidade. Peguemos o exemplo de Cleópatra, nascida e criada no império Egípcio, viveu tudo o que a capital cultural do mundo naquela época podia proporcionar. Astuta e intelectual, era poliglota, sendo fluente em sete línguas, ao mesmo tempo em que desenvolveu incrível habilidade para estabelecer relações interpessoais, que não raramente se tornavam políticas. E
la vivenciou batalhas, exílios, fugas, financiou projetos científicos e ajudou na construção do acervo de um ícone global, a Biblioteca de Alexandria. Seu legado transcende sua morte, trazendo sua influência a partir do século XX quando passou a ser vista como um símbolo de poder feminino. Como ela, muitas mulheres tiveram um papel histórico de contribuições que até hoje são negadas ou reduzidas aos homens que se relacionavam.
Este ano vivenciamos dois marcos históricos na medicina em relação à saúda da mulher. O primeiro foi no congresso da AUA (American Urological Association) que pela primeira vez estabeleceu um Guideline (espécie de protocolos guias para médicos baseados em artigos científicos) sobre Síndrome Urogenital na Menopausa, que representa um conjunto de sintomas vaginais e urológicos como infecção de repetição, incontinência urinária, secura vaginal e dor na relação sexual. O maior congresso de urologia do mundo que só contemplava sintomas masculinos, finalmente olhou para a saúde feminina.
O outro marco aconteceu este mês de julho em uma reunião do FDA, cujo presidente, Dr. Marty Makary, médico do hospital John Hopkins, se posicionou totalmente à favor da reposição hormonal na menopausa, deixando bem claro grandes equívocos cometidos na medicina em relação a este e outros temas (que ele narra em um livro chamado Blind Spots).
Uma reunião entre médicos e médicas à favor da qualidade de vida das mulheres que foram privadas de um tratamento ideal para seus sintomas tão visíveis e reais, totalmente tratáveis e ainda para as doenças silenciosas como as cardiovasculares, as neurológicas e a osteoporose.
Congressos, encontros, discussões, pesquisas, debates, entre cientistas e a população, são cada vez mais necessários em prol da saúde como um todo. Em especial da saúde feminina.
Um passo de cada vez, alguns pequenos, outros maiores, com a visão no horizonte, ao longe. Com coragem e verdade. Aceitação e beleza. Empoderamento e, principalmente sororidade. Algumas mulheres ainda não perceberam que unidas e se respeitando, são muito mais poderosas e livres.
Por outro lado, muitos homens têm enxergado a vida sob nova ótica, a da caminhada em conjunto, de mãos dadas e bem compartilhada.
Esse prazo de validade que citei existe de fato, que seja cumprido da melhor forma e na melhor companhia. Dia após dia. De altos e baixos, de quedas e erguidas, de desejos e dissabores, de dores e prazeres, de luz e escuridão. Afinal, o nome disso é vida.
Gostou do artigo?
Quer saber mais sobre como a percepção social sobre o envelhecimento feminino influencia a autoestima e a qualidade de vida das mulheres na menopausa? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar a respeito.
Prazer, Clarissa!
Clarissa Marini
Ginecologista, Sexóloga & Escritora
CRM 11468-GO
https://www.instagram.com/clamarini/
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