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Luz e Sombra em Tempos de Vale Tudo: Entre o Certo e o Humano

Em tempos de vale tudo, até a razão pode esconder a sombra, aquela parte que todos temos, mas nem sempre reconhecemos. Entre a ficção e o mundo corporativo, um olhar sobre ética, poder e humanidade nas empresas, nas relações e em cada escolha que fazemos.

Luz e Sombra em Tempos de Vale Tudo: Entre o Certo e o Humano

Luz e Sombra em Tempos de Vale Tudo: Entre o Certo e o Humano

Um ciclista avança pela ciclovia, quando um pedestre, distraído, pisa no caminho reservado às bicicletas. O ciclista está longe, tem espaço para desviar, mas continua em linha reta, toca a campainha, grita “olha por onde anda!”, e passa tão perto que o pedestre se desequilibra. O homem cai, o celular escapa das mãos e se quebra no chão. O ciclista segue adiante, ainda resmungando: “bem feito, não devia andar na ciclovia”.

É claro, o pedestre estava errado. Entrou onde não devia, colocou em risco a própria segurança e a do ciclista, que aproveitou a oportunidade para exercer uma vingança disfarçada de justiça. No instante em que percebeu que estava certo e o outro errado, pareceu sentir-se autorizado a punir.

Esse salvo-conduto que estar com a razão dá é uma forma de colocar para fora o nosso lado mais sombrio. Qualquer crítica recebida pode ser rebatida com um “mas ele é que estava errado.”. No extremo, é a desculpa que qualquer pessoa que participe de um linchamento pode dar, especialmente, os linchamentos virtuais, bem mais corriqueiros hoje em dia.


O lado sombrio de cada um parece que está sempre aguardando a oportunidade de se manifestar. Mas todos nós temos um lado sombrio?


Se você acha que não, talvez seja o momento de olhar mais para dentro de si ou com outros olhos para uma pessoa que você considere perfeita. Carl Jung dizia que a sombra é o “lado não vivido” da personalidade — tudo aquilo que reprimimos, negamos ou escondemos para sermos aceitos socialmente.

Não é por acaso que os vilões costumam ser os personagens mais fascinantes. Em filmes, livros, séries ou novelas, eles dizem o que não temos coragem de dizer, fazem o que reprimimos, vivem sem a culpa que nos mantém civilizados. Enquanto os mocinhos obedecem às regras da virtude, o que os leva a ser previsíveis, contidos, moralmente corretos (e chatos, muitas vezes), os vilões habitam o terreno da ambiguidade, onde os desejos humanos se mostram em sua forma mais verdadeira.

Talvez nos identifiquemos com eles porque, secretamente, sabemos que poderíamos ser assim. O vilão pode ser o espelho que nos mostra de tudo o que tentamos esconder. Há uma honestidade incômoda na maldade assumida, enquanto a bondade pura parece, às vezes, uma máscara.

Com a volta de Vale Tudo e o fascínio que uma personagem como Odete Roitman desperta, vem o questionamento: por que ela é tão admirada? Identificação? Talvez. Por outro lado, grandes vilões geralmente têm humor, nós nos divertimos com eles. Saber que eles serão punidos no final, também dá a liberdade de poder ter essa admiração sem muita culpa. Acompanhamos a trajetória com prazer, mas sabemos que no final, ele vai ter o que merece.


Mas e quando o vilão não morre no final?


Pode ser um problema e aí começa um certo incômodo, onde se aponta uma suposta inversão de valores e tem sempre aquela frase muito citada, que diz que a televisão está dando mal exemplo. Como se a realidade precisasse disso para que o vilão vencesse no final, que é o que acontece muitas vezes do lado de cá da tela.

A ficção sempre é um universo que é construído, distante da realidade, embora se inspire nela. Não tem compromisso com a ordem — ela existe justamente para questioná-la, como fazem as melhores obras.

O vilão que sobrevive, o anti-herói que triunfa, ou o mocinho que erra são ferramentas narrativas, não exemplos de conduta. A arte é um espelho do humano, que está longe de ser coerente, afinal, não somos luz ou sombra, somos luz e sombra. A integração dessas partes é o que nos torna inteiros, complexos, humanos.

Reconhecer isso é o que faz que possamos lidar com nossas emoções e evitar o pior. Como no caso do ciclista, a sombra pode estar esperando só uma desculpa para se manifestar. Quanto mais ignorada, mais forte ela pode ficar.

Ninguém sai do cinema e se torna uma pessoa cruel porque simpatizou com o Coringa. Pelo menos, não se já não tiver uma sombra assim dentro de si. Quando olhamos para Odete Roitman ou para Raquel Acioly, o seu oposto na trama da novela, podemos ver dois lados de uma mesma moeda, duas dimensões de uma mesma alma.


As zonas cinzentas de que a vida real é feita são, muitas vezes, o lugar onde passamos boa parte do tempo — o que frequentemente acontece no trabalho, com incentivo tanto das lideranças quanto da própria cultura da empresa.


Existem os profissionais que sobem na carreira apesar (ou por causa) da falta de empatia, líderes que abusam do poder e continuam sendo celebrados pelos resultados, empresas que pregam valores humanos enquanto premiam comportamentos predatórios.

Muitas Odetes, em muitas empresas, são admiradas e vistas como modelos para outras lideranças. A natureza competitiva do mercado é muitas vezes a desculpa para que essa sombra se manifeste, levando a ambientes tóxicos e abusos variados.

Mas o ambiente corporativo é mais próximo da realidade do que da ficção, com personagens mais complexos, mais contraditórios, movidos por mais interesses, medos e ambições.

Quando a cultura de uma empresa tolera alguém que age de uma forma identificada como vilanesca, porque essa pessoa apresenta mais resultados, envia uma mensagem que diz que o que importa é o desempenho, não o modo como se chega a ele. O que diferencia uma boa cultura de uma tóxica é exatamente a forma como a empresa decide lidar com eles.

Em qualquer situação, precisamos reconhecer a nossa sombra, especialmente, se for em um momento em que estamos com a razão. Nosso lado sombrio não aparece tanto em momentos de dúvida, ele se manifesta mais justamente quando temos certeza. Precisamos duvidar de nós, de mocinhos e de vilões, até do que achamos que sabemos dos vilões. Afinal, até mesmo Odete Roitman podia estar certa, em alguns momentos. Alguns.


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Quer saber mais sobre como reconhecer e integrar luz e sombra humana para construir relações mais éticas, conscientes e verdadeiras? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar a respeito.

Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/

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Marco Ornellas é Psicólogo, Master of Science in Behavior pela California American University e Mestre em Biologia-Cultural pela Universidad Mayor do Chile e Escuela Matrizstica. Pós em Neurociência e o Futuro Sustentado de Pessoas e Organizações.Consultor, Coach, Designer Organizacional, Palestrante e Facilitador de Grupos e Workshops em temas como Liderança, Complexidade, Gestão, Desenvolvimento de Equipes, Inovação e Consultor em Design da Cultura Organizacional.Autor dos Livros: DesigneRHs para um Novo Mundo, Uma nova (des)ordem organizacional e Ensaios por uma Organização Consciente.CEO da Ornellas Consulting e Ornellas Academy.
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