
Câmeras fechadas, vínculos frágeis: A solidão silenciosa do Home Office
Entre goles de café e conversas com líderes, tenho percebido um silêncio incômodo pairando nas telas: câmeras desligadas, vínculos frágeis, invisibilidade. O que era para ser conexão virou rotina mecânica. E cada vez mais, nas reflexões que colho por aí, surge a mesma pergunta disfarçada de incômodo:
Estamos trabalhando juntos, nos conectando ou apenas coexistindo online?
Outro dia, em uma sessão de mentoria, uma profissional me disse: “Fui entrevistada por três pessoas, nenhuma abriu a câmera. Era como se eu estivesse falando com avatares. Terminei a conversa me sentindo invisível.”
Não foi a primeira vez que ouvi isso. E tampouco será a última. Vivemos uma era de paradoxos: nunca estivemos tão conectados tecnologicamente, e tão desconectados humanamente. Reuniões sem câmeras, onboarding remotos frios, falta de escuta ativa e uma sensação constante de estar presente apenas de corpo (ou tela), mas ausente de alma.
Ao escrever sobre este tema procuro dar voz a tantas inquietações, sobre a forma como estamos nos relacionando no mundo do trabalho, principalmente com a permanência do modelo remoto e híbrido. E é também um convite à responsabilidade compartilhada: empresas, lideranças e colaboradores precisam, de fato, reencontrar o valor da presença real, mesmo no virtual.

Câmeras fechadas, amplia distanciamento
Existe algo de profundamente simbólico em abrir a câmera em uma chamada de vídeo. Abrir a câmera é abrir uma janela de si. Mostrar o rosto, a expressão, o olhar. Humanizar.
Quando as câmeras ficam fechadas, é como se todos estivéssemos sentados ao redor de uma mesa com sacos de papel na cabeça — ouvi esta semana e procurei representar na imagem deste artigo. Irônico, engraçado, trágico…
A voz está ali, mas e o restante? E a linguagem corporal? E a empatia que se constrói com um simples sorriso compartilhado?
No espaço corporativo onde a escuta já era uma habilidade escassa, o home office mal gerido está acentuando a desconexão. Profissionais se sentem sozinhos em times numerosos. Os gestores não percebem sinais de sobrecarga ou desengajamento porque estão operando no modo “só áudio”. E liderar sem ver é como tentar conduzir uma orquestra vendado.
A dor silenciosa das lideranças
Se por um lado os profissionais sentem a ausência de vínculos, por outro, as lideranças carregam uma dor que poucos verbalizam: o acúmulo de funções, a responsabilidade de entregar metas e resultados com equipes que, muitas vezes, tem alta rotatividade e/ou baixo engajamento — sem mencionar a dificuldade de contratação.
Relatos são frequentes: líderes que precisam “correr atrás” dos colaboradores para obter atualizações, jovens talentos que evitam conversas difíceis, que preferem o chat ao diálogo, e profissionais que recusam qualquer esforço que não esteja estritamente relacionado ao seu escopo. Essa postura, sem dúvida, dificulta o engajamento, o espírito de equipe e o trabalho de formação de sucessores.
Como preparar novos líderes diante de tantos desafios? Como lidar com a máxima cada vez mais real: quem não é visto, não é lembrado?
A ausência de interação empobrece o aprendizado
As pessoas aprendem observando, convivendo, trocando. Cultura não se transmite por PDF. Ela se vive.
Ao eliminar os espaços informais do café, do corredor, do “puxa ali e me ajuda aqui”, estamos perdendo mais do que parece. Segundo estudos da Universidade de Stanford, o isolamento prolongado e a falta de interação presencial reduzem a capacidade cognitiva, impactam a criatividade e prejudicam a memória operacional – aquela que usamos para resolver problemas e tomar decisões rapidamente.
Uma especialista, revisitando sua carreira me disse: “no início foi muito bacana trabalhar online; agora, sinto como se estivesse emburrecendo — preciso me relacionar com pessoas, aprendo nas relações interpessoais cotidianas. Quero buscar um trabalho que possibilite flexibilidade e valorize as interações.”
Além disso, a ausência de referências humanas concretas durante o trabalho impacta a formação dos mais jovens e dos novos contratados. Como desenvolver percepção política, escuta ativa e leitura de ambiente sem estar no ambiente?
Home office não pode ser sinônimo de isolamento afetivo
O problema não é o home office. O problema é o home office sem intencionalidade relacional.
Trabalhar de casa pode sim ser produtivo e saudável. Mas não podemos abdicar do que nos faz humanos no processo: a troca, o pertencimento, o reconhecimento.
Cada vez mais, vemos profissionais enfrentando crises silenciosas: aumento de ansiedade, desconforto com a própria imagem, dificuldade de criar laços. A distância prolongada não apenas afeta os resultados, mas mina silenciosamente a saúde emocional das equipes.
E não é apenas metafórico: a falta de exposição ao sol, ao movimento, aos encontros cara a cara afeta inclusive a produção de serotonina e vitamina D, essenciais para a nossa regulação emocional e cognitiva.
Onboarding sem presença é perda de tempo e cultura
As empresas precisam repensar com coragem os seus modelos de integração. É contraproducente iniciar um ciclo de onboarding 100% remoto sem criar espaços reais de convivência.
Nos três primeiros meses de uma contratação, tudo está em construção: os vínculos, a visão de futuro, o entendimento da cultura, as alianças internas. Perder essa janela de convivência é um risco real de perda de identidade e aumento do turnover.
Minha sugestão é clara: onboarding com presença no escritório por três meses deve ser estratégia, não exceção. É o tempo de formar laços, entender os não-ditos, perceber os valores vivos da empresa e, sem dúvida, se sentir parte.
O impacto da desconexão disfarçada de eficiência
Recentemente, uma Diretora de RH me relatou que a maior dificuldade das novas lideranças era justamente “criar laços com seus times, mesmo após meses juntos”. Ao investigar, perceberam que não havia sequer um encontro presencial estruturado, nem rituais de escuta ou acolhimento. O resultado? Alta rotatividade, baixa empatia, feedbacks frios e baixa performance.
Em outro caso, um profissional relatou que passou os primeiros 45 dias em uma nova empresa sem ver o rosto do seu gestor. As reuniões eram técnicas, diretas e sem espaço para o “bom dia, tudo bem?”. Resultado: desligamento precoce, desmotivador para ambas as partes.
Presença é mais que estar online. É estar inteiro
Empresas precisam (re)educar suas lideranças sobre o valor da presença verdadeira. Abrir a câmera, escutar com atenção, marcar encontros presenciais, valorizar os momentos de informalidade, criar espaços para conversas fora da pauta.
A cultura organizacional é feita desses detalhes. Uma empresa humanizada não se mede apenas por seu pacote de benefícios e remuneração, mas pelo tipo de conversa que promove entre seus colaboradores, pela inspiração gerada por suas lideranças e pelo clima organizacional favorável.
A coragem de aparecer
A vida profissional precisa de cor, rosto, voz e afeto. Não somos apenas executores de tarefas: somos seres de relação, de sentidos, de significados.
Abrir a câmera pode parecer um gesto pequeno. Mas é um ato de coragem, de disponibilidade e de respeito pelo outro. Pode ser o início de uma conexão, de um aprendizado, de uma parceria.
Se insistirmos em reuniões com “sacos de papel na cabeça”, seguiremos então perdendo o essencial: o olhar que conecta, a presença que transforma e a coragem de realmente sermos vistos.
Que empresas, lideranças e colaboradores tenham coragem de colocar o rosto na tela, mas principalmente o coração no centro da conversa.
Na sua opinião, quais ações concretas empresas e lideranças podem adotar para fortalecer os vínculos humanos no trabalho remoto ou híbrido, sem abrir mão da produtividade?
Compartilhe suas impressões conosco e continue essa conversa no próximo Café com Sassá! ☕
Com café, escuta e coragem para o novo,
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Quer saber como enfrentar a solidão do home office com mais conexão, presença e vínculo real entre líderes e equipes? Então entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar com você a respeito.
Salete Deon
Especialista em Gestão de Carreira e Desenvolvimento de Lideranças, Segurança Psicológica de Times pelo IISP, Liderança Feminina pela StartSe/SBE, Coach Executiva (PCC), Palestrante, Top Voice Linkedin, Fundadora da Deon Consulting
https://www.linkedin.com/in/salete-deon/
salete@deonconsulting.com.br
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