Aqualtune e o Legado das Mulheres Negras:
Da Resistência Ancestral à Liderança Contemporânea
O Brasil que conhecemos hoje foi erguido, em grande parte, pelas mãos, lutas e inteligências de mulheres negras. No entanto, suas histórias foram injustamente apagadas pelos registros oficiais, que privilegiam as narrativas daqueles que dominavam o país e o poder da narrativa.
O mês da Consciência Negra e o Novembro Negro nos convidam a refletir sobre essa exclusão histórica e a celebrar mulheres que, como Aqualtune, resistiram bravamente e criaram legados que, sem dúvida, ecoam até os dias de hoje.
Aqualtune, uma princesa africana do Reino do Congo, de origem militar e nobre, figura como uma das grandes ancestrais da resistência negra no Brasil. Sua trajetória de luta pela liberdade, inteligência estratégica e liderança não só inspirou a formação de quilombos — espaços de resistência e emancipação — como nos conecta a várias outras figuras negras que, séculos depois, continuam expandindo seu legado.
A história de Aqualtune: Resistência em sua essência
Aqualtune chegou ao Brasil após ser capturada e traficada como escravizada, uma realidade brutal vivida por milhões de africanos. Apesar de suas adversidades, ela foi capaz de transformar um cenário de opressão em resistência: liderou uma fuga e estabeleceu um dos núcleos fundadores do Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, Alagoas.
O quilombo surgiu como um território autônomo em que pessoas negras, indígenas e até brancas marginalizadas conviviam em liberdade — desafiando o Brasil colonial e resistindo por cerca de 100 anos.
Aqualtune simboliza a força da mulher negra que luta pela sua dignidade e pelo futuro das próximas gerações. Ela é tida como mãe de Ganga Zumba, o primeiro líder reconhecido de Palmares, e avó de Zumbi dos Palmares, figura emblemática da resistência negra e símbolo do Dia da Consciência Negra.
Por que devemos lembrar de Aqualtune? Porque sua vida representa a luta por liberdade, a estratégia na adversidade e a capacidade das mulheres negras de liderarem, ainda que num contexto de enorme brutalidade e exclusão.
As sucessoras de Aqualtune: Da resistência de ontem às estratégias de hoje
A história de Aqualtune é um fio condutor que conecta figuras históricas à luta contemporânea das mulheres negras. Assim como ela liderou a criação de Palmares como um bastião de liberdade, várias mulheres negras brasileiras nos séculos seguintes tomaram para si a responsabilidade de transformar a sociedade, muitas vezes sustentando suas comunidades e suas famílias em situações de extrema exclusão.
Entre essas mulheres, destacam-se figuras que ampliaram os horizontes da resistência, cada uma em sua área:
1. Carolina Maria de Jesus (1914–1977)
Carolina, catadora de papel e escritora, desafiou os estereótipos raciais e sociais ao publicar o livro “Quarto de Despejo”, uma das obras mais importantes da literatura brasileira. Seu relato da vida na favela do Canindé, em São Paulo, dá uma face, uma voz e uma humanidade às histórias de exclusão que muitos insistem em ignorar.
Sua obra se tornou um marco mundial e, atualmente, sua história está sendo transformada em filme, trazendo sua trajetória para novas gerações e ressaltando o poder da palavra na luta por dignidade.
2. Lélia Gonzalez (1935–1994)
Uma das intelectuais negras mais importantes do Brasil, Lélia foi antropóloga, filósofa e ativista. Seu trabalho trouxe uma perspectiva afrolatina e feminista aos debates sobre racismo e classe, denunciando o papel central do racismo na estrutura da sociedade brasileira.
Além disso, Lélia fundou movimentos e organizações que buscavam colocar as lutas das mulheres negras no centro do ativismo político.
3. Neuza Santos Souza (1948–2008)
Neuza foi psiquiatra e escreveu o livro “Tornar-se Negro”, uma análise brilhante sobre o impacto psicológico do racismo no Brasil. Seu trabalho revelou como o racismo molda as subjetividades das pessoas negras e abriu caminhos para estudos sobre a saúde mental da população negra.
Neuza trouxe uma dimensão psicológica à resistência, mostrando que a libertação vai além do campo físico e se estende ao emocional e espiritual.
4. Sueli Carneiro
Filósofa, escritora e ativista, Sueli Carneiro foi uma das pioneiras do feminismo negro no Brasil. Fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Sueli assumiu um papel de protagonista ao denunciar o racismo estrutural e propor soluções que unissem igualdade de gênero à luta antirracista. Seus textos e movimentos ajudaram a transformar a reflexão sobre racismo em ato político.
5. Cida Bento
Cida Bento é reconhecida internacionalmente por seu trabalho voltado para equidade racial no mercado de trabalho. Como psicóloga e consultora, ela desenvolve estratégias práticas para desmantelar barreiras institucionais que excluem pessoas negras das posições de poder.
Cida traduz a inteligência estratégica de Aqualtune para o mundo corporativo, ajudando a construir espaços de trabalho mais justos e diversos.
A resiliência e a estratégia no presente
O legado de Aqualtune e de incontáveis outras mulheres negras está intrinsecamente ligado às histórias de resistência do presente. Mesmo enfrentando o racismo estrutural e a desigualdade, mulheres negras são responsáveis por muitas das mais criativas soluções de sobrevivência e reinvenção no Brasil.
De líderes comunitárias a acadêmicas, artistas e empreendedoras, continuamos ocupando espaços com coragem e sabedoria.
Mas a luta continua. De acordo com dados recentes, mulheres negras são as mais afetadas pelo desemprego e as mais mal remuneradas no Brasil. Elas recebem, em média, apenas 53% do salário de um homem branco. Além disso, enfrentam a interseccionalidade do racismo e do machismo diariamente.
Em contrapartida, ao mesmo tempo, mulheres negras são as que mais frequentam cursos universitários e as que mais abrem negócios no país, movidas por uma força herdada das ancestrais, como Aqualtune, que não cediam às adversidades.
Conectando passado e futuro: um Brasil mais justo
O Dia da Consciência Negra e o Novembro Negro nos pedem que celebremos as histórias dessas mulheres e que continuemos lutando para que suas descendentes tenham oportunidades reais.
A memória de Aqualtune nos inspira a recontar a história: não mais apenas como vítimas, mas como sobreviventes e protagonistas de estratégias libertadoras que mudaram o Brasil.
Que essas histórias sejam exatamente o que são: exemplos de inteligência, resistência e liderança para as futuras gerações. Nos resta agora garantir, como sociedade, que homenagens sejam traduzidas em ações concretas para combater as desigualdades que ainda persistem.
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Quer saber mais de que forma o legado de Aqualtune e de tantas mulheres negras pode inspirar formas de liderança e transformação social no Brasil? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar com você!
Kaká Mandakinï
Fundadora da DivA Diversidade Agora! e ativista por uma vida mais maravilhosa para todas as pessoas
https://www.diversidadeagora.com.br
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