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A Hipogamia nos Contos de Fadas e a Realidade dos Relacionamentos!

Será que os contos de fadas moldaram expectativas irreais sobre o amor? Descubra como a hipogamia e a idealização romântica ainda impactam os relacionamentos modernos — e o que podemos aprender com essas narrativas para amadurecer emocionalmente.

A Hipogamia nos Contos de Fadas e a Realidade dos Relacionamentos!

A Hipogamia nos Contos de Fadas e a Realidade dos Relacionamentos!

Após a leitura de duas matérias bem intrigantes, uma delas publicada no UOL (A renovação dos estudos sobre Contos de Fadas, por Christian Dunker) e outra publicada pela BBC News Brasil (Quanto mais mulheres sobem na vida, casar “para baixo” vira única saída?, por Selim Girit), decidi fazer uma associação entre esses dois conteúdos. Meu objetivo foi o de tentar construir uma ponte entre “contos de fadas e seus arquétipos humanos” com a realidade com que a sociedade se depara na questão dos relacionamentos e casamentos. Nesse desafio de pesquisa contei com a ajuda do aplicativo Gemini, do Google.

É fascinante perceber a mente humana buscando padrões e significados em narrativas para compreender a realidade. Ao mesclar visões da psicologia contemporânea sobre relacionamentos com o universo atemporal dos contos de fadas, as pessoas podem encontrar um cenário rico e, por vezes, surpreendente, sobre o amor na era moderna.

A reportagem da BBC News Brasil levanta um questionamento fundamental: estamos presos a um ideal de amor romântico que, na prática, se mostra insustentável? Aqui cabe lembrar que a premissa de um “final feliz” pré-determinado, onde o príncipe ou a princesa ideal surge para resolver todos os problemas e garantir a felicidade eterna, esse é sim um pilar dos contos de fadas.

No entanto, a realidade dos relacionamentos modernos é muito diferente.

Conforme aponta Girit (2025), a noção de que existe a “alma gêmea” predestinada, uma pessoa especial capaz de nos completar, isso pode ser grande desserviço à busca por relacionamentos saudáveis. Essa crença idealizada, muitas vezes reforçada por narrativas românticas, pode gerar frustração e desilusão quando a realidade acabar não correspondendo à fantasia. O artigo argumenta que o amor romântico, embora instigante em sua fase inicial, muitas vezes cega os indivíduos para incompatibilidades cruciais e para a necessidade de uma escolha mais consciente e pragmática do parceiro.

No texto da BBC News Brasil destaca-se a importância de uma escolha baseada na análise de compatibilidade, na comunicação efetiva e na capacidade de adaptação, em vez de uma paixão cega e avassaladora. Relacionamentos saudáveis, argumenta a matéria, exigem comunicação, negociação, flexibilidade e, acima de tudo, o reconhecimento de que o outro é um indivíduo com suas próprias falhas e qualidades. O “amor à primeira vista”, tão romantizado, muitas vezes se traduz em projeções e idealizações que se desfazem diante da rotina e dos desafios da vida a dois.

Essa visão contrasta diretamente com a simplicidade e a ausência de conflito que permeiam os desfechos dos contos de fadas tradicionais. Neles, o “depois” do casamento é geralmente um vazio — um ponto final que implica que, superado o obstáculo inicial (o vilão, a maldição, a prova de valor), a vida seguirá em perfeita harmonia. A ausência de representação dos desafios diários, das pequenas desavenças, das necessidades de adaptação e do trabalho contínuo que um relacionamento real exige pode ser um contraponto à compreensão do amor. A felicidade, no mundo real, não é um destino estático. É a jornada construída a dois — com altos e baixos, aprendizados e crescimentos.

É então que o texto no UOL, sobre a renovação dos estudos sobre contos de fadas, torna-se bem provocativo.

O autor, em sua análise, transcende a superficialidade das histórias infantis e mergulha em camadas psíquicas. Longe de serem meros entretenimentos, os contos de fadas são, para muitos estudiosos, poderosas ferramentas de elaboração de conflitos internos e externos, espelhos do inconsciente coletivo e guias para o amadurecimento (Dunker, 2025).

Ele ainda ressalta que os contos de fadas não devem ser vistos como cartilhas de comportamento ou manuais de relacionamento, mas sim como narrativas que ecoam arquétipos e dilemas humanos universais. A princesa aprisionada não é apenas uma moça bonita, mas a representação de um indivíduo em busca de sua liberdade e autonomia. O príncipe, por sua vez, simboliza a força, a coragem e a capacidade de superação necessárias para enfrentar os desafios da vida.

A renovação dos estudos sobre contos de fadas nos permite enxergar além da superfície.

O “final feliz” não é necessariamente sobre casamento perfeito, mas sobre a superação de um obstáculo interno, a conquista da maturidade, a descoberta da própria força. A “beleza” da princesa pode ser interpretada como a descoberta do valor próprio e da autoestima, e não apenas atributo físico. A função psíquica dessas narrativas, como enfatiza (Dunker, 2025), reside na capacidade de lidar com ambiguidade, o mal, falta e castração, elementos intrínsecos à condição humana que versões “adocicadas” dos contos tendem a ignorar.

Um conceito particularmente relevante ao analisarmos a relação entre contos de fadas e relacionamentos modernos é o da hipogamia. Conceitualmente, a hipogamia descreve o casamento ou união em que uma pessoa se casa com alguém de um status socioeconômico ou social inferior ao seu. Nos contos de fadas, isso é frequentemente representado por princesas que, por alguma reviravolta do destino, se casam com plebeus, ou por heroínas de origem humilde que se casam com príncipes.


Vamos analisar alguns exemplos clássicos e como a hipogamia se manifesta neles:


1. Cinderela:

Este é o exemplo mais icônico de hipogamia nos contos de fadas. Cinderela, uma jovem oprimida e de status social extremamente baixo (quase uma serva), ascende socialmente ao se casar com o Príncipe. Sua “recompensa” por sua bondade e beleza é a entrada em uma vida de riqueza e poder, algo inatingível por seus próprios meios.


2. A Bela Adormecida:

Embora a princesa Aurora seja de status real, o príncipe Philip (que a resgata) também é de status nobre. A “ascensão” aqui não é socioeconômica, mas sim a passagem de um estado de inércia e aprisionamento para um de vida e liberdade através do amor.


3. Branca de Neve:

Branca de Neve, uma princesa exilada e forçada a viver como serva, é resgatada e se casa com o Príncipe. Novamente, há uma ascensão de status e uma restauração de sua posição social legítima através do casamento.


A hipogamia nos contos de fadas reforça a ideia de que o casamento pode ser um veículo para a ascensão social e material, especialmente para as mulheres. O valor de uma personagem feminina muitas vezes está atrelado à sua capacidade de atrair um parceiro de status superior, que a “salve” de uma vida de dificuldades. Isso sugere que a segurança e a felicidade nascem de um parceiro que pode prover e proteger, um eco de estruturas sociais e econômicas antigas.

No entanto, como Girit (2025) afirma, os relacionamentos modernos estão se distanciando dessa visão. A busca por um parceiro de status social ou econômico “superior” perde força diante da valorização da compatibilidade emocional, intelectual e de valores. Hoje, a independência financeira e a autonomia pessoal são cada vez mais importantes. A ideia de que o casamento é o principal meio de ascensão social é menos proeminente. Casais buscam paridade, parceria e cocriação de uma vida em comum, onde a “recompensa” não é necessariamente um salto de status, mas sim a construção de uma relação significativa e equitativa.


Então, como os contos de fadas se alinham ou não às novas tendências do relacionamento de casais, considerando a hipogamia e outras características?

É possível identificar tanto pontos de dissonância quanto de alinhamento, desde que os contos sejam interpretados em perspectiva mais profunda e menos literal.

Vejamos a seguir algumas dissonâncias:


1. A “Fada Madrinha” vs. Autonomia e Cocriação:

Nos contos de fadas, muitas vezes a resolução dos problemas depende de uma intervenção externa e mágica (fada madrinha, ajudantes sobrenaturais). Essa dependência contrasta fortemente com a ênfase atual na autonomia individual, na responsabilidade pessoal e na capacidade de cada um de construir a própria felicidade. No amor contemporâneo, espera-se que ambos os parceiros sejam agentes ativos de sua própria vida e do relacionamento, cocriando o futuro juntos. A expectativa de que um parceiro “resolva” todos os problemas do outro é irreal e prejudicial.


2. Hipogamia e Ascensão Social vs. Paridade e Valores:

A hipogamia proeminente nos contos de fadas, onde o casamento é um meio de ascensão social e econômica, contrasta com a tendência atual de buscar paridade e compatibilidade de valores. O foco mudou da segurança material provida por um parceiro de status superior para a construção de um relacionamento baseado em respeito mútuo, apoio emocional e interesses compartilhados. A “recompensa” não é mais um castelo, mas a vida feliz e autêntica construída a dois.


3. Idealização Romântica vs. Realidade Imperfeita:

A idealização presente nos contos, onde o parceiro perfeito surge para resolver todos os problemas e completar o outro, choca-se com a necessidade de aceitação da imperfeição e da realidade multifacetada do outro. O amor moderno exige um olhar mais crítico e menos romântico para o outro, reconhecendo suas qualidades e defeitos, suas forças e vulnerabilidades. A busca por um ideal inatingível leva à frustração e à incapacidade de valorizar as pessoas reais que se apresentam.


4. Passividade Feminina vs. Protagonismo e Equidade:

Muitas personagens femininas nos contos de fadas são retratadas como passivas, esperando por um salvador. Embora haja reinterpretações modernas que buscam dar mais força a essas personagens, a essência original muitas vezes contrasta com a valorização do protagonismo feminino, da equidade de gênero e da parceria igualitária nos relacionamentos atuais. As mulheres buscam e merecem ser parceiras ativas e com voz, e não apenas coadjuvantes na história do outro.


5. Conflito Resolvido e Estático vs. Conflito Contínuo e Dinâmico:

Os contos geralmente terminam com a resolução definitiva do conflito principal (“e viveram felizes para sempre”), transmitindo a ideia de que, após o obstáculo, a vida se torna uma placidez eterna. Em contrapartida, relacionamentos reais são uma jornada contínua de gerenciamento de conflitos, aprendizado, negociação e crescimento. A ideia de que “viveram felizes para sempre” sem mais problemas é uma falácia que pode gerar expectativas irrealistas e desmotivar a superação dos desafios inerentes à vida a dois.


Por outro lado, não podemos esquecer dos alinhamentos possíveis de serem encontrados, como veremos por estes exemplos a seguir:

1. A Jornada de Autoconhecimento e Amadurecimento:

A estrutura da “jornada do herói” (ou da heroína), presente em muitos contos de fadas (o chamado à aventura, os desafios, a superação de provações), pode ser reinterpretada como a jornada de autoconhecimento e amadurecimento que precede e acompanha um relacionamento saudável. Conforme enfatiza Dunker (2025), os contos de fadas são uma forma de “fazer as pazes com o mal”, de integrar a falta e as imperfeições. Antes de encontrar o “outro”, é fundamental encontrar a si mesmo, compreender as próprias necessidades, medos e desejos. Relacionamentos bem-sucedidos frequentemente emergem de indivíduos que já possuem um bom grau de autoconsciência e autoaceitação.


2. Enfrentamento Conjunto de Obstáculos:

Os vilões e desafios nos contos de fadas podem simbolizar os obstáculos internos e externos que um casal precisa enfrentar em conjunto: medos, inseguranças, problemas de comunicação, pressões sociais, dificuldades financeiras, crises existenciais etc. A capacidade de superar esses desafios juntos, de aprender com eles e de fortalecer o vínculo através da adversidade, é um pilar dos relacionamentos duradouros. Os contos nos ensinam sobre resiliência e a importância de não desistir diante das dificuldades.


3. A Busca por Conexão e Pertencimento:

A essência da busca pelo “outro” nos contos de fadas, mesmo que idealizada, reflete a necessidade humana fundamental de conexão, de amor e de pertencimento, um pilar dos relacionamentos duradouros. Embora a forma dessa busca possa ser ingênua nos contos, o desejo subjacente por um vínculo profundo e significativo é universal, permanecendo central nos relacionamentos contemporâneos.


4. O Desejo por um “Final Feliz” (Reinventado e Realista):

Embora o “felizes para sempre” dos contos de fadas seja utópico em sua literalidade, o desejo por um relacionamento duradouro, com felicidade, realização mútua e significado, permanece. A diferença é que esse “final feliz” é visto como uma construção contínua. Um projeto a ser lapidado diariamente, e não um estado permanente alcançado de uma vez por todas. É um “final feliz” que se redefine a cada dia, baseado na escolha consciente de estar junto e de investir no relacionamento.


5. O Amor como Agente de Transformação e Crescimento:

Em muitos contos, o amor (ou a experiência que leva ao amor) atua como um catalisador para a transformação e o crescimento dos personagens. Isso ressoa com a ideia de que relacionamentos saudáveis nos impulsionam ao amadurecimento, nos tornam pessoas melhores, nos desafiam a sair da zona de conforto e nos permitem explorar novas facetas de nós mesmos. A boa e harmoniosa parceria nos oferece um espelho e serve como suporte para a nossa evolução pessoal.


Conclusão:

A fusão das perspectivas de Girit (2025), na BBC News Brasil, e de Dunker (2025), no UOL, oferece um caminho interessante para alcançar o complexo terreno dos relacionamentos modernos. Os contos de fadas, quando lidos com a profundidade que merecem e com uma compreensão de suas funções psíquicas, são mais do que meras fantasias. Tornam-se repositórios de sabedoria arquetípica, que nos convidam a refletir sobre nossos desejos mais profundos e nossos medos mais arraigados.

No entanto, é crucial que nos desprendamos da ingenuidade que algumas de suas interpretações superficiais, especialmente a ênfase na hipogamia como caminho para a felicidade, podem incutir. O amor nunca está lastreado por um conto de fadas onde o “príncipe encantado” ou a “princesa perfeita” resolve tudo e garante a felicidade eterna. É, sim, a construção diária, a negociação constante, a dança complexa entre a individualidade e a união. Exige autoconhecimento, inteligência emocional, empatia, comunicação transparente e a capacidade de aceitar a imperfeição, tanto a nossa quanto a do outro.

Abandonar o ideal do “felizes para sempre” como um destino mágico não significa abandonar a busca pela felicidade a dois. Significa, sim, abraçar a beleza da jornada, com seus altos e baixos, suas alegrias e seus desafios. Saber que o verdadeiro encanto não está na ausência de problemas, mas na capacidade de enfrentá-los juntos, reinventando o amor a cada novo capítulo. Afinal, a vida real é o maior e mais belo de todos os contos de fadas jamais produzidos ao longo da história humana.


Gostou do artigo?

Quer saber mais sobre como a hipogamia e os contos de fadas influenciam nossas expectativas sobre o amor na vida adulta? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em falar sobre isso!

Eu sou Mario Divo e você me encontra pelas mídias sociais ou, então, acesse meu site www.mariodivo.com.br.

Até nossa próxima postagem!

Mario Divo
https://www.mariodivo.com.br

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Referências:

Dunker, C. (2025, 25 de maio). A renovação dos estudos sobre contos de fadas. UOL Tilt – Blog do Dunker. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/blog-do-dunker/2025/05/25/a-renovacao-dos-estudos-sobre-contos-de-fadas.htm

Girit, S. (2025, 25 de maio). Quanto mais mulheres sobem na vida, casar “para baixo” vira única saída? BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1w3dxz4q7eo


Palavras-chave: hipogamia, contos de fadas, relacionamentos modernos, amor romântico, idealização amorosa, impacto dos contos de fadas nos relacionamentos, contos de fadas e amor moderno, como os contos influenciam os casamentos, casamento por hipogamia, relações afetivas realistas.
Mario Divo Author
Mario Divo possui mais de meio século de atividade profissional ininterrupta. Tem grande experiência em ambientes acadêmicos, empresariais e até mesmo na área pública, seja no Brasil ou no exterior, estando agora dedicado à gestão avançada de negócios e de pessoas. Tem Doutorado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) com foco em Gestão de Marcas Globais e tem Mestrado, também pela FGV, com foco nas Dimensões do Sucesso em Coaching (contexto brasileiro). Formação como Master Coach, Mentor e Adviser pelo Instituto Holos. Formação em Coach Executivo e de Negócios pela SBCoaching. Consultor credenciado no diagnóstico meet® (Modular Entreprise Evaluation Tool). Credenciado pela Spectrum Assessments para avaliações de perfil em inteligência emocional e axiologia de competências. Sócio-Diretor e CEO da MDM Assessoria em Negócios, desde 2001. Mentor e colaborador da plataforma Cloud Coaching, desde seu início. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Marketing & Negócios, ex-Diretor da Associação Brasileira de Anunciantes e ex-Conselheiro da Câmara Brasileira do Livro. Primeiro brasileiro a ingressar no Global Hall of Fame da Aiesec International, entidade presente em 2400 instituições de ensino superior, voltada ao desenvolvimento de jovens lideranças em todo o mundo.
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