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A coragem de um adulto

Em partes, a função dos pais é sempre confortar sua prole. Assegurar, por meio de uma palavra tenra e de um abraço caloroso, que tudo está bem. A fim de fazer isso, precisam demonstrar força e segurança.

Em partes, a função dos pais é sempre confortar sua prole. Assegurar, por meio de uma palavra tenra e de um abraço caloroso, que tudo está bem. A fim de fazer isso, precisam demonstrar força e segurança: “Não tem monstro no armário”, “Nenhum alienígena vai te sequestrar”. E, de certa forma, é fácil para eles: enquanto esses medos preenchem toda a mente e o coração da criança, não tem efeito nenhum em adultos. Demonstram tamanha segurança porque não compartilham dos temores, em suma.

Tomamos essa situação como modelo e derivamos, então, que o adulto corajoso e realizado não possui medos. Como um ser autossuficiente, tornou-se pai e mãe de si mesmo: em alguma situação que qualquer medo ameaça surgir, logo se conforta, com força e segurança. No processo, convence-se que, no fundo, não teme aquilo, que não compartilha nenhum temor consigo mesmo. Um Leônidas.

Que surpresa desagradável teremos quando, enquanto jovens adultos, percebermos que, conforme a maturidade se aproxima, os medos não parecem se dissipar, conforme o esperado. Pelo contrário, aparentam estar ficando mais espessos e mais enraizados no nosso coração, como um inquilino desagradável e obscuro. No final de uma tarde de outono, com céu cinza e um frio inexpressivo, sentimos uma agonia de imaginar o dia seguinte, uma vontade de chorar ao ver os anos por vir. Deve haver algo errado. Adultos, nossos pais, não choram, não se agonizam, são bastiões da tranquilidade. Não somos adultos, estamos quebrados. Um Efialtes.

Então, por acaso ou vontade, você se torna pai. Precisará confortar essa nova alma. Que fazer? É surpreendido por seu pimpolho receoso com a luz apagada. Conforta-o. Não é disso que você tem medo. Agora, se o seu filho chorasse pelas contas não pagas, pelo medo da morte e da velhice, pelo receio de decepcionar nossos amados e a nós mesmos, pela mediocridade física e intelectual… Daí você estaria em apuros.

Nesta posição, entenderá que o adulto corajoso possui, no final, medos. A maturidade, em última análise, simplesmente é o processo em que damos nome para aquele inquilino obscuro e desagradável da tarde de outono: ele é os medos insolúveis, idênticos a identidades humanas, horríveis demais para serem mencionados em voz alta e tristes demais para serem discutidas com aqueles que amamos. Não há ninguém para nos confortar, pois todos se afogam juntos.

Talvez, o conhecimento desta dor coletiva seja justamente aquilo que precisamos para superá-la. Como o patriota que se voluntaria para guerra ao ver seus conterrâneos morrendo, a sapiência que esses medos perfuram todos nos geram solidariedade para com outrem. Temos entre nós o mais forte dos laços: o de sofrimento.

Assim, cria-se um novo modelo de adulto saudável: aquele que luta todos os dias contra a própria escuridão ao tentar iluminar o outro. Faz-se isso por meio da compreensão, tolerância e do diálogo. Em exemplo, considerar todos os pesos que alguém carrega por ser um humano é uma boa forma de exercer o perdão: seu amigo que foi grosso contigo, em exemplo, chora de noite por saber que a mãe dele morrerá um dia; seu pai, insensível quanto às suas vontades, já agonizou por não ser tão inteligente quanto aos amigos de trabalho; seu chefe, autoritário, entristece-se ao olhar a própria cara no espelho. Então, vamos perdoá-los; são erros pequenos frente à tristeza que carregam.

Esta alquimia, de fazer nascer do medo, a bondade é o que se pode considerar aquilo que o título do texto busca.  Ela, porém, não nos fará andar altivos e impenetráveis como Leônidas. Todavia, também não nos permitirá caminhar, como Efialtes, curvados frente ao peso do mundo. Dar-nos-á simplesmente dignidade para um caminhar tão ereto quanto frágil, capaz de responder às tristezas da realidade, conquanto jamais superá-las. Juntamente com todos aqueles que alcançaram este estágio, chegaremos ao que é a verdadeira coragem madura.

Bruno Sales Author
Bruno Sales é Estudante esforçado, entusiasta intelectual e conversador. Estudante de Economia, escritor amador e apreciador de Filosofia e Matemática. Sonha publicar o livro que vem trabalhando faz anos; a médio prazo, adquirir independência financeira e reconhecimento intelectual; a longo prazo, mudar o mundo.
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