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Plateias Vazias, Discursos Cheios: O Espelho Imperfeito do Mundo na ONU

Entre discursos potentes e cadeiras vazias, a ONU reflete as contradições da humanidade: esperança, ceticismo e o desafio de transformar palavras em ação. Um espelho imperfeito de um mundo em transição. O que esse espelho revela sobre nós?

Plateias Vazias, Discursos Cheios: O Espelho Imperfeito do Mundo na ONU

Plateias Vazias, Discursos Cheios: O Espelho Imperfeito do Mundo na ONU

A Assembleia Geral da ONU deste ano trouxe consigo o sabor das transições históricas. O que se viu em Nova York não foi apenas mais uma rodada de discursos protocolares, mas um palco onde símbolos e gestos ganharam a mesma força das palavras.

A química entre Lula e Donald Trump, improvável há pouco tempo, sinalizou a possibilidade de um novo capítulo nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a causa palestina ganhou visibilidade inédita com a decisão de Canadá, Austrália e Reino Unido de reconhecer o Estado Palestino soberano. Paralelamente, uma guinada pró-Ucrânia redesenhou alianças e expôs fissuras no equilíbrio internacional.

Entre plateias cheias para ouvir determinados líderes, saídas calculadas em sinal de desagrado e discursos que dividiram a atenção entre esperança e ceticismo, o que se desenhou foi o retrato de um mundo em mutação.

Especialistas pedem cautela, lembrando que nem todo gesto se converte em transformação concreta, mas é inegável que o tabuleiro global começa a se mover. Institutos de tendências e geopolítica, já apontavam há mais de uma década para a erosão da centralidade americana no tabuleiro global.

O chamado “declínio relativo do império americano” não representa uma queda abrupta. Trata-se de uma transição lenta e cheia de contradições. A China ganhando relevância, a Rússia tensionando, a Índia crescendo como potência regional. A Europa tentando manter sua coesão e blocos como os BRICS ensaiando alternativas à ordem estabelecida.

Esse cenário abre espaço para um movimento de coalização global — e nós estamos assistindo a esse movimento em tempo real.


As conferências da ONU são um espelho da humanidade em sua inteireza: a diversidade, a beleza da união possível e as contradições que insistem em atravessar o nosso tempo.

Há momentos em que vemos plateias cheias e vibrantes, atentas a líderes comprometidos com o planeta, a fome, a justiça social e climática. Palavras fortes ecoam na sala e acendem a esperança de que, desta vez, o movimento possa ser real.

Ao lado desses instantes, porém, surgem plateias esvaziadas, delegações que se retiram em protesto formal, chefes de Estado ausentes, cadeiras vazias que falam tanto quanto os discursos. São cenas que revelam tanto o poder simbólico dessas conferências quanto a fragilidade de sua legitimidade.

Nos púlpitos, convivem governantes que olham para o todo e falam de futuro coletivo, de urgência climática e de responsabilidade comum. Outros preferem o silêncio e relativizam a gravidade da crise em nome de interesses nacionais imediatos.

Ouvimos vozes que clamam por cooperação global ao mesmo tempo em que presenciamos discursos que reduzem a questão climática à lógica estreita do crescimento econômico. Essa tensão, ainda que desconfortável, é o retrato mais fiel da complexidade do mundo contemporâneo.


Não são apenas as palavras que importam, mas os gestos.

Quando plateias se levantam e deixam o auditório, quando delegações se ausentam em momentos estratégicos, quando ativistas protestam do lado de fora denunciando contradições, vemos a insatisfação ganhar corpo e se materializar.

Foi assim em Glasgow, no Egito, em Baku e em tantas outras conferências. Greta Thunberg declarou que esses encontros “nos levam a lugar nenhum”. Enquanto nações insulares do Pacífico imploraram pelo direito de existir diante do aumento do nível do mar.

Há promessas grandiosas de neutralidade climática e investimentos em energia limpa. Mas também aviões particulares pousando em massa, lobistas de petróleo circulando pelos corredores e compromissos frágeis que raramente resistem ao teste da prática.

Esse contraste revela algo essencial: a ONU não é um palco de consensos, mas o espelho de um mundo fragmentado. Ali se condensam forças que se chocam diariamente — o desejo de cooperação e o peso dos interesses nacionais, a esperança da juventude e o ceticismo de quem já viu promessas dissolvidas, a busca por futuro e a insistência no passado.

Nesse mosaico, as ausências falam tanto quanto as presenças, os discursos inspiradores convivem com o vazio das cadeiras e a retórica encontra a dura resistência da realidade.

Para quem assiste, seja no Brasil ou em qualquer parte do mundo, o sentimento é paradoxal. De um lado, a esperança de que líderes possam, de fato, encontrar pontos comuns e mover o mundo na direção necessária. De outro, a frustração diante da repetição de promessas, da lentidão frente à urgência e da dissonância entre palavras e práticas.


Cresce o ceticismo: até quando essas conferências terão legitimidade se não forem capazes de produzir mudanças concretas?

Ao mesmo tempo, cresce também o movimento local, de comunidades, organizações e pessoas comuns que, descrentes do palco global, decidem agir por conta própria, construindo alternativas no cotidiano.

A ONU, com suas plateias cheias e vazias, com discursos potentes e contradições latentes, reflete o que somos como humanidade: diversos, complexos, fragmentados, mas ainda assim insistentes na busca por um caminho comum. Expõe nossas falhas, mas também revela nossa obstinação em dialogar, mesmo que de forma imperfeita.

Talvez o maior aprendizado esteja aí: não existe uma narrativa única, mas uma colcha de retalhos em que esperanças e frustrações convivem lado a lado.

E diante desse espelho, a pergunta que ecoa é inevitável: como cada pessoa se sente nesse mundo de promessas e contradições?

Entre a esperança e o ceticismo, entre a confiança e a desconfiança, entre o desejo de mudança e o medo da perda, seguimos navegando. O futuro não será construído apenas pelos governantes que sobem ao púlpito, mas também por cada um de nós, em nossas escolhas cotidianas e nas comunidades que ousamos criar.

Talvez seja esse o verdadeiro chamado das conferências: não apenas esperar que o alto se mova, mas aceitar que o movimento começa também de baixo — em cada gesto, em cada coletivo, em cada coragem de seguir juntos.


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Quer saber mais sobre como a ONU reflete as contradições, esperanças e dilemas do nosso tempo? Então, entre em contato comigo. Terei o maior prazer em conversar a respeito.

Marco Ornellas
https://www.ornellas.com.br/

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Marco Ornellas é Psicólogo, Master of Science in Behavior pela California American University e Mestre em Biologia-Cultural pela Universidad Mayor do Chile e Escuela Matrizstica. Pós em Neurociência e o Futuro Sustentado de Pessoas e Organizações.Consultor, Coach, Designer Organizacional, Palestrante e Facilitador de Grupos e Workshops em temas como Liderança, Complexidade, Gestão, Desenvolvimento de Equipes, Inovação e Consultor em Design da Cultura Organizacional.Autor dos Livros: DesigneRHs para um Novo Mundo, Uma nova (des)ordem organizacional e Ensaios por uma Organização Consciente.CEO da Ornellas Consulting e Ornellas Academy.
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