fbpx

Nossas rotinas

Muitos especialistas em carreira recomendam uma postura mais realista na vida: ao invés de visar fazer o que gostamos, deveríamos gostar do que fazemos, transformando o cotidiano em uma rotina agradável e valiosa.

A rotina do estudante figura entre as coisas mais maçantes existentes. Levanta-se cedo demais, a fim de chegar a tempo em uma escola chata demais, para não perder matérias inúteis demais. Não satisfeita em tragar nossa manhã, a escola faz questão de exigir nosso vespertino, preenchendo-o com tarefas e com a iminência de provas futuras. Um mar de adjetivos e advérbios negativos, pois sim.

Sentimos que poderíamos empregar nosso tempo em ações mais úteis e significativas (qualquer coisa é mais aprazível do que uma equação polinomial, afinal). Mas a escola, opressora, retira nossas possibilidades de vida, fadando-nos a um caminho quadrado e fixo. Visamos o vestibular, a faculdade e, por fim, o trabalho para evitar este marasmo e solidez. Lá, quem sabe, vamos adquirir hábitos diários mais apetecíveis e saudáveis. Trabalharemos com o que gostamos, afinal. A vida terá um valor mais claro, se justificando mais pelo presente do que por promessas futuras. Ou não.

Por mais românticos que sejamos, há de se dizer que existe uma possibilidade inquietante de findarmos em um serviço que em nada nos alegra. É o que acontece com a maioria das pessoas, na verdade: muito provavelmente, quem tem empregos indecifráveis, como “assistente de marketing Junior” e “atendente paralelo de marketing”, visava, em tenra idade ser um astronauta ou um médico. Mas deu ruim. O caminho para a falha, claro, são sempre mais amplos do que o do sucesso: escolher a graduação errada; o dinheiro apertar e se fazer necessário uma profissão imediata; não ter qualificação suficiente para uma vaga melhor e se acomodar com o tempo, etc. E quando você estiver nessa posição, cara, é a tenebrosa rotina escolar novamente. Com os agravantes de seu sustento depender daquilo e haver menor possibilidade de mudança.

Dados cenários assim, muitos especialistas em carreira recomendam uma postura mais realista em nossa vida: ao invés de visar fazer o que gostamos, deveríamos gostar do que fazemos. Ou seja, mais relevante do que ser imerso em uma rotina agradável é SER CAPAZ de transformar o cotidiano em uma rotina agradável e valiosa. Do trivial, criar o sublime. Possuir tal capacidade é, em muitas maneiras, libertadora, pois nos permite certo controle sobre o próprio bem-estar frente às adversidades.

Uma das formas de realizar isto é chamada “Vermeerização”, em referência ao pintor holandês Johannes Vermeer, cuja arte é inteira baseada em retratos do cotidiano, os quais, expostos por sua tinta a óleo, foram elevados a patamares gloriosos.

Esta técnica se baseia em buscar no cotidiano profissional reflexões e motivações que o transformem em algo mais suportável. No livro “Os prazeres e os desprazeres do Trabalho”, de Alain de Botton, há o exemplo de um homem que trabalha com a construção de torres de energia elétrica, provavelmente um labor apenas com implicações práticas, sem nem sombra de reflexão filosófica ou artística. Apesar disto, tal homem acabou por escrever um livro com o improvável e pitoresco título de “A inefável beleza das torres de energia elétrica”, fruto de suas viagens por todo o Reino Unido em busca das mais belas construções de torres e diâmetros de cabos. Ao invés de permanecer apenas como um engenheiro elétrico, ele conseguiu criar beleza artística do seu conhecimento técnico e, pois, deu uma maior dimensão para a sua rotina, a qual, agora, com certeza, é menos obscura e mais afável.

A Vermeerização pode ser aplicada, tanto em um trabalho ruim, quanto na rotina do vestibulando: podemos, por exemplo, ao invés de absorver passivamente as aulas de Física, buscar a história dos pensadores (você sabia que Newton, por exemplo, foi considerado um dos piores da sala?); em outra proposta, podemos, a fim de viver a história mais claramente, buscar conversar com pessoas mais velhas sobre as experiências delas (meu bisavô foi um soldado na Revolução Constitucionalista de 32!); ou ainda, se você quiser realmente pular de cabeça nisto, buscar a beleza e a utilidade das equações matemáticas, como sugerido pelo matemático Edward Frenkel no belíssimo livro “Amor e Matemática”.

Enfim, sabendo que mesmo as rotinas de menor importância podem ser vermeerizadas, cabe a cada um de nós fazê-lo. Desta forma, será possível achar nos meandros dessas grandes opressões alguns fios de liberdade que nos motivem e justifiquem a nossa existência. Você não escolhe as cartas do jogo, mas escolhe o que fazer com elas.

Bruno Sales Author
Bruno Sales é Estudante esforçado, entusiasta intelectual e conversador. Estudante de Economia, escritor amador e apreciador de Filosofia e Matemática. Sonha publicar o livro que vem trabalhando faz anos; a médio prazo, adquirir independência financeira e reconhecimento intelectual; a longo prazo, mudar o mundo.
follow me
Neste artigo


Participe da Conversa