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Meu casamento acabou, e agora?

Na maioria dos casos, as pessoas não são traídas de verdade, elas apenas fecham os olhos para um casamento que ia mal e que mais cedo ou mais tarde iria conclamar um terceiro ou quarto ou quinto no meio do casal.

É claro que há casos em que esta pergunta vale. Há pessoas traídas que viviam bem com seus cônjuges, no maior amor. E então, se a parceria acaba, cabe a um dos parceiros um enunciado assim, de desespero. Mas, convenhamos, isso é raro.

Na maioria dos casos, as pessoas não são traídas de verdade, elas apenas fecham os olhos para um casamento que ia mal e que mais cedo ou mais tarde iria conclamar um terceiro ou quarto ou quinto no meio do casal.

Um dos versos mais belos e significativos da música brasileira é dos Titãs: “O acaso vai me proteger. Enquanto eu andar distraído”. É um verso que indica tudo que não se deve fazer em um casamento.

Todavia, temos de concordar que existem dois tipos de pessoas, as que sabem amar e as que não sabem. O filósofo Jean-Jacques Rousseau preparou todos para o Romantismo, que iria, no popularesco, favorecer o tipo de amor que, hoje, pelo certo ou pelo errado, consideramos como o amor par excellence, o melhor amor. “Fulano é romântico” é um elogio! Mas ele próprio, Rousseau, foi um amante desastrado. Conta ele, em uma de suas biografias, o tosco encontro que teve com uma linda prostituta. Ou melhor dizendo: ele foi um tosco no encontro. Conseguiu constranger a moça ao notar nela um bico de seio defeituoso. Um amante não faz isso. A bela garota lhe disse sábias palavras: dedique-se à matemática, não às garotas.

Humanos não são feitos de formas geométricas perfeitas, só na matemática encontramos a perfeição. Quem quiser amar, tem de estar preparado não para aceitar o não apolíneo, mas para a amar o que sobra e o que falta. Já disse certa vez um hétero ortodoxo: quem quer mulher sem estria pode namorar um travesti.

O segredo do amor é não notar defeitos? Não é isso. Não estou pedindo para que se ame um pacote pronto, horroroso, que nunca se amou.

O segredo do amor está guardado na capacidade que temos de ter tesão pela anomalia, pois a anomalia é a nossa regra. Se não fosse, seríamos deuses e, como tal, faríamos investidas apaixonadas momentâneas, e não daríamos vazão para o amor. O amor implica em gostar da esposa manca, em gostar do marido caolho, em querer acariciar uma verruga na testa da esposa. Não por conta da verruga estar na testa da esposa, mas por conta da verruga ser uma curiosa verruga que, sabe-se lá por qual razão, dá uma ereção danada! Um desejo inexplicável por aquela mulher com verruga, ou daquela verruga com mulher. Gostar no sentido de não ver o defeito? Não é isso, já disse! Trata-se de levar adiante um tipo de tara pelo defeito – um defeito particular, que casa bem com aquela pessoa que é, então, amada. Amamos quando o mal cheiro do outro nos é perfume, e que sabemos bem que é mal cheiro. Se isso não ocorre, tendo um dia já ocorrido, então o amor está estremecido, e talvez um terceiro já esteja na jogada. A cornidão vem quando começamos a amar não a perfeição, mas o defeito da outra ou do outro.

O amor não é cego. Muito menos cabe a regra que diz “para quem ama, o feio se torna belo”. Nada disso. O que vale é que nossa situação de humanos, nossa condição de animais mamíferos, de bichos da terra, nos faz sermos embrutecidos pela quantidade de ácaros que temos na pele e tudo o mais que pode nos deixar nojentos. Cuidamos para evitar isso, para sermos amados, para não causarmos repulsa, mas um dia encontramos alguém que nota nosso disfarce e nos ama, nos ama exatamente naquilo que não somos perfeitos. Nos ama por sermos feitos de material de cadáver. Cabe então em não ficar mais distraído, não dar chance ao acaso, e cuidar desse amor.

O casamento, alguém já disse uma vez, é um jogo antes de frescobol que de tênis. Não existe cortada no frescobol, não se joga contra o outro, mas se ajeita a raquete para favorecer o outro. No tênis há a disputa, deve-se fazer o outro não pegar a bolinha; no frescobol é justamente o contrário. No casamento o instantâneo desejo pelo defeito do outro o faz singular, e nos coloca no impulso de nunca falharmos quando o parceiro conta conosco.

Casamento não é um fardo, não é uma competição, não é uma humilhação de um sobre o outro. É amor. Mas o problema é que há pessoas que sabem amar e há as que não sabem.

Paulo Ghiraldelli Jr é filósofo, professor e escritor. Tem doutorado em filosofia pela USP e doutorado em filosofia da educação pela PUC-SP. Tem mestrado em filosofia pela USP e mestrado em filosofia e história da educação pela PUC-SP. Tirou sua livre-docência pela UNESP, tornando-se professor titular. Fez pós-doutorado no setor de medicina social da UERJ, como tema “Corpo – Filosofia e Educação”. É bacharel em filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (S. Paulo) e é licenciado em Educação Física pela Escola Superior de Ed. Física de S. Carlos, hoje incorporada pela Universidade Federal de S. Carlos (UFSCar). Foi pesquisador nos Estados Unidos e na Nova Zelândia. É editor internacional e participante de publicações relevantes no Brasil e no exterior. Possui mais de 40 livros em filosofia e educação. Trabalhou junto da produtora de TV e filósofa Francielle Maria Chies no programa Hora da Coruja da FLIX TV. É professor de filosofia aposentado da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Trabalha atualmente como diretor e pesquisador do Centro de Estudos em Filosofia Americana (CEFA).
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